Já se passaram 70 anos desde que Ronald Coase publicou The Nature of the Firm. O texto marca o nascimento de um movimento de interpretação do direito conhecido como law and economics.
A proposta central deste movimento é a análise dos fatos jurídicos sob o prisma de seus custos de transação, aplicando os métodos de análise de eficiência fornecidos pela econometria. Afere-se o custo social, no plano econômico, derivado de um determinado fato jurídico. Sob esta ótica examinam-se, por exemplo, os efeitos da facilitação do registro empresarial, da estrutura de ressocialização dos detentos ou da tutela jurídica das relações familiares. A eficiência econômica (estudada pontualmente em um dado fato social para ao final ser projetada à concepção de desenvolvimento econômico) somou-se às preocupações filosóficas e sociológicas dentro de uma pretendida interdisciplinaridade do Direito.
Lançada a tese de Coase (que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia em 1991), muito se estudou sobre o assunto em diversos países, principalmente a partir da década de 1970. Destacaram-se os trabalhos de Richard Posner, Guido Alpa, Natalino Irti, Berle e Means, entre vários outros. Principalmente na Europa e na América do Norte, encontram-se centenas de livros sobre a matéria.
E no Brasil, o que se fez? Muito pouco, o que não surpreende neste país em que o desenvolvimento cultural não é exatamente uma prioridade; em que um pragmatismo nem sempre virtuoso coloca em segundo plano a atividade acadêmica. Pincelam-se algumas obras de valor, como o livro Direito Econômico, lançado por Modesto Carvalhosa ainda em 1973, ou os trabalhos produzidos pelo grupo de pesquisadores da USP que mantêm, sob a liderança de Raquel Sztajn e Decio Zylbersztajn, os “Diálogos FEA & Largo São Francisco”, cujo produto mais conhecido é o livro Direito e Economia.
Além destes textos, de grande solidez conceitual, encontramos nos últimos anos um número cada vez maior de citações às obras de Coase e Posner em trabalhos não tão amadurecidos. E o que pode parecer uma boa notícia (na forma da divulgação desta necessária técnica hermenêutica) acaba gerando resultados danosos ao desenvolvimento da ciência jurídica. Os efeitos negativos são produto da falta de adequação dos preceitos da law and economics ao nosso sistema de direito continental e podem redundar tanto em uma indevida limitação de objeto de estudo, quanto no preconceito decorrente da importação de alguns modelos extremos de interpretação, culturalmente rejeitados no Brasil (como ocorre, por exemplo, com os sempre citados exemplos dos estudos econômicos aplicados sobre questões de direito de família).
Deve-se partir da compreensão de que o movimento da law and economics foi concebido dentro da estrutura da common law (adotada principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos), onde o Direito é construído a partir do fato jurídico. Trata-se de um caminho inverso ao percorrido para a solução das lides no campo do direito continental, ao qual nos filiamos. Simplificando ao extremo, podemos afirmar que no Brasil o direito deriva da aplicação da lei; nos Estados Unidos, ele nasce jurisprudencialmente da análise dos fatos jurídicos.
Há, portanto, necessidade de adequação na aplicação das obras dos autores norte-americanos. Sua técnica de avaliação dos custos de transação vocaciona-se a uma individualização no processo de solução dos litígios que é típica da common law, mas encontra limites de aplicação nos sistemas de direito continental, em que se faz necessária não só a fixação de standards, como também a normatização como mecanismo de concessão de segurança jurídica.
Ao invés de partirmos da análise focalizada nos custos de transação dos fatos jurídicos para construirmos digressões que permitam a renovação de standards, devemos focar em princípios constitucionais centrais, para então aos mesmos aplicar uma hermenêutica próxima da economia, que autorize uma releitura de fatos jurídicos específicos. Ou seja: buscar os mesmos resultados (análise de eficiência econômica e de sintonia com o projeto de desenvolvimento econômico-social do país), mas com uma metodologia inversa, mais adequada ao direito continental.
Procedendo desta forma, abriremos alguns novos campos de estudo. Poderemos analisar a eficiência econômica das leis, pesquisando, por exemplo, o impacto negativo derivado do cipoal de normas referentes às formalidades para a constituição de uma empresa; a elevação nos custos do crédito, decorrente da flexibilização dos contratos e das cambiais; a oneração na constituição de novas unidades negociais, decorrente de normas que elevam exageradamente os riscos envolvidos em operações de compra e venda de estabelecimentos empresariais; o evidente desincentivo ao empreendedorismo, derivado da incompreensão das regras previsoras da limitação da responsabilidade de sócios de sociedades limitadas; os impactos econômicos gerados pela aplicação das legislações tributária, ambiental, trabalhista, previdenciária… Enfim, muito há a fazer no contexto desta forma de interpretação do Direito.
Um segundo campo de estudos que se abre é o da investigação quanto ao processo de criação legislativa em nosso país, seja no sentido de contextualizar as novas leis com o planejamento (se é que existe um) de desenvolvimento econômico-social do Brasil, seja no da verificação da legitimidade da forma de produção legislativa (em vista do claro descompasso entre a visão do Congresso Nacional e a da população em relação a diversas e relevantes questões).
Outro problema a ser resolvido é o afastamento do tecnicismo na aplicação do direito empresarial. Deve-se compreender os fundamentos econômicos deste ramo do direito, e considerá-los quando da aplicação de suas regras. Cumpre inicialmente perceber que as normas de direito empresarial devem ser concebidas como instrumento de incentivo ao empreendedorismo. Se o desenvolvimento socioeconômico de um país depende inicialmente da geração de empregos, é necessário que o empreendedor não seja tratado como um inimigo da nação, mas sim como um parceiro necessário em qualquer projeto voltado à melhoria das condições de vida da população de um país.
No Brasil, o empreendedor é usualmente considerado um fraudador presumido, culpado pelas mazelas sociais. Dificuldades são, a todo momento, lançadas em seu caminho, e não removidas. E este quadro de evidente elevação de riscos e custos gera duas espécies de danos à sociedade: em primeiro lugar, não há implantação do potencial empreendedorismo, com a consequente elevação nas taxas de desemprego; em segundo, há uma adequação natural nos critérios de formação de preços, para que os mesmos comportem os custos, e uma margem de lucro compense os riscos pessoais envolvidos (que, no Brasil, compreendem não só os riscos naturais ao desenvolvimento de uma atividade empresarial, como também aqueles gerados por um conjunto de normas que não guarda conexão com os princípios básicos do direito empresarial). Esta elevação de preços gera uma maior dificuldade de abertura de novos mercados, bem como a corrosão do poder de compra dos salários.
Outro objetivo que não pode ser esquecido na análise de normas de direito empresarial é a máxima tutela ao crédito. O acesso ao crédito é fundamental para o desenvolvimento da atividade empresarial, seja na forma de financiamento para a instalação ou ampliação dos estabelecimentos, seja na de obtenção de prazos de pagamento junto a fornecedores (para que o giro da mercadoria naturalmente incremente o volume de negócios).
Em ambos os casos, deve-se partir da premissa simples de que o custo do crédito aumenta na proporção inversa da segurança concedida aos credores. Assim, quanto mais eficiente o sistema jurídico de proteção e recuperação de créditos, menor será o custo geral do crédito oferecido no mercado, e mais volumosa será a disponibilização deste crédito. No caso brasileiro, a demora e os custos no acesso ao judiciário, somados a uma incompreensão dos preceitos do direito contratual e cambiário, geram uma desnecessária situação de insegurança aos credores, fazendo com que diminua a oferta geral de crédito e com que seus custos se elevem na mesma proporção.
Tradicionalmente, o direito empresarial não é bem compreendido nem em relação aos seus aspectos técnicos, de natureza dogmática. E a aplicação dos fundamentos econômicos está longe de preocupar professores e aplicadores do direito. As consequências deste desvio de compreensão do direito são evidentes. O alto nível de desemprego, produto óbvio da timidez na criação de novas empresas, fala por si só.
A forma como a ciência jurídica é estudada no Brasil merece uma radical reformulação. Um dos primeiros passos é compreender que o direito não é uma ciência acastelada, isolada dos demais ramos do saber. Logo em seguida, deve-se buscar uma eficiente interdisciplinaridade, não só demonstrando conhecimento de complexas técnicas econométricas encontráveis em peso na doutrina norte-americana, mas essencialmente refletindo sobre todos os entraves, jurídicos, econômicos e sociais, que devemos remover para que ganhe corpo um projeto de construção de um país melhor. Além de conhecer e bem contextualizar os preceitos da law and economics, devemos construir uma escola de análise econômica do direito, com timbres bem tupiniquins.