O anúncio de mais um ano de crescimento superior à média histórica do Brasil tem a aparência de uma excelente notícia. Mas não é. Significa que mais um ano passará sem que sejam feitas as necessárias e urgentes reformas jurídicas, sem as quais não se pode projetar um panorama de crescimento sustentável para o nosso país.
Nosso governo federal é pródigo em propagandear seu sucesso na área econômica. Comemora o crescimento superior a 4% obtido nos últimos anos, e atribui à sua atuação tais resultados. Mas a verdade é outra. Só estamos crescendo porque a economia mundial vive uma era de bonança. Em outros países, este período está sendo aproveitado para implementar pesadas reformas. No Brasil, limitamo-nos a manter uma política econômica que, além de óbvia no contexto da atual economia de mercado, foi criada pelo governo anterior. Ou seja: aproveitamos a bonança para não fazer nada; orgulhamo-nos de nossa inércia.
A economia mundial cresce em um ritmo acelerado. O Brasil, a reboque deste movimento, avança em índices moderados. Quando lembramos da década perdida, podemos até acreditar que este crescimento moderado é uma boa notícia. Mas, quando identificamos o verdadeiro responsável por este padrão de crescimento (a economia mundial, e não o governo brasileiro), e recordamos que as reformas institucionais necessárias à evolução sólida e sustentável de uma economia de mercado (incluindo principalmente as reformas tributária, trabalhista e previdenciária), percebemos que o futuro breve nos reserva notícias menos alvissareiras.
O resultado desta doce letargia é evidente: se o Brasil cresceu 4,5% em 2007, a China obteve um crescimento de 11,5%, enquanto a Índia chegou a 9% e a Rússia, a 7%. Isso para falar apenas nos países integrantes do BRIC. Quando comparamos nosso crescimento com os índices da Estônia, da Polônia, da Irlanda e de El Salvador, os resultados são ainda menos alentadores, principalmente se considerarmos que há uma década todos apresentavam economias pouco desenvolvidas e sem expectativas de crescimento. Mas nestes países tratou-se de promover as reformas necessárias ao desenvolvimento, ao invés de simplesmente buscar culpados pelo seu fracasso. Quebraram-se antigas estruturas de direitos para flexibilizar as relações trabalhistas, para vincular responsabilidades à concessão de benefícios previdenciários, para racionalizar o sistema de arrecadação tributária, para tutelar de forma responsável e equilibrada a questão ambiental; enfim, para criar um arcabouço jurídico que viabilize um desenvolvimento responsável e sustentável da economia de mercado, ao invés de tomá-la como um inimigo a ser combatido.
O acerto deste caminho é confirmado não só pela lógica, como também pela história. A se estudar qualquer lista de países mais e menos desenvolvidos, será fácil perceber que todos os que oferecem alta qualidade de vida a seus cidadãos promoveram as reformas jurídicas acima referidas. Tais medidas acarretam não só a geração de empregos como passo inicial para a superação da pobreza, como também o desenvolvimento tecnológico que impulsiona a economia a uma fase de grande produção de riquezas.
Mas, para tanto, é preciso arregaçar as mangas e promover as sempre proteladas reformas jurídicas em nosso país. Sua necessidade é por todos conhecida, e a principal razão pela qual elas não são feitas é um triste panorama de nossa tradição política.
O fato é que as reformas implicam a adoção de medidas pouco simpáticas. E medidas pouco simpáticas são evitadas em um país em que a grande preocupação da classe dirigente é a obtenção de votos para a próxima eleição. Chega-se em um impasse difícil de ser superado. Embora programas como o Bolsa-Família sejam de um vergonhoso anacronismo, é pouco provável que algum político retire o benefício, sempre em vista milhões de votos envolvidos na questão. Quando projetamos esta realidade para as relações trabalhistas, o resultado é o mesmo. A recente tentativa de supressão da obrigatoriedade da contribuição sindical bem revelou que este é um país de direitos, e não de deveres, e em que as medidas eleitoreiras são mais interessantes para nossos políticos do que as reformas que gerarão resultados somente em governos futuros. Impera a noção de presente contínuo nas relações sociais, expressão cunhada pelo historiador britânico Eric Hobsbawm.
A impressão que dá é a de que este é um país tão dadivoso que não se faz necessário trabalhar. Basta observar o que a natureza tem para nos oferecer. Relendo Celso Furtado, em sua excepcional Formação Econômica do Brasil, constatamos que os ciclos econômicos em que o país foi relevante no plano internacional (cana de açúcar, mineração, borracha, café) não foram fruto do desenvolvimento de tecnologias nacionais, mas sim um precioso fruto da terra, ao qual bastava adicionar o trabalho braçal (normalmente exercido por pessoas que não ficavam com a mais valia de seu trabalho). Ou seja: ganhamos, mais do que construímos, nossos ciclos econômicos.
Este fato colaborou para a consolidação de uma atitude em que basta aos governantes não cometer erros grosseiros para que a economia evolua. A situação até faz lembrar o quadro descrito por Maquiavel, em relação aos estados hereditários, ao afirmar que “é suficiente que o príncipe não abandone os modos de governo de seus predecessores”. Ou seja, não fazendo nenhuma besteira monumental, o político será bem avaliado pelos seus eleitores. E o futuro, com suas responsabilidades, é empurrado para a próxima eleição.
Esta inércia, amparada pela noção de berço esplêndido, cobrará um preço severo em um futuro breve. Ao não nos prepararmos para o desenvolvimento sustentável de nossa estrutura econômica e social (o que só é possível por meio de uma sólida reforma institucional), agimos como a cigarra, sem a certeza de que as formigas nos acolherão quando o verão passar.
Por isso, a bonança econômica internacional é uma má notícia para o Brasil. Ao não depararmos com dificuldades imediatas, não nos movemos, tomados por uma confortável cegueira quanto ao futuro da economia. E assim decretamos nosso subdesenvolvimento.
Boa notícia é que este não é um discurso isolado. Mais e mais estudos estão sendo publicados no sentido da necessidade de nos movermos imediatamente para garantirmos o crescimento quando os ventos da economia internacional não estiverem a nosso favor. Maílson da Nóbrega, Fábio Giambiagi, Armando Castelar Pinheiro, Jairo Saddi, Decio Zylbersztajn, Raquel Sztajn (e todos os participantes do grupo de estudos mantido na USP sob a orientação destes dois), e Luiz Carlos Bresser-Pereira (para somente os mais recentes) devem ser lidos e debatidos, para que suas propostas sejam amadurecidas e implementadas. Não adianta mais mantermos uma postura que une a alienação de acreditarmos nas notícias benfazejas ao costume de culpar outros por nossos fracassos.
É por tal razão que vemos com preocupação o anúncio de um ano de tranquilo crescimento econômico. Talvez fosse mais proveitosa e revelação de uma dificuldade imediata, para que possamos evoluir por meio do processo que Schumpeter denominou de destruição criadora.
Se o ano de 2008 será de bonança econômica, é necessário que se aproveite um tempo que não voltará para garantirmos a continuidade de nosso crescimento nos anos que virão. E este crescimento não acontecerá sem que repensemos a forma como o ordenamento jurídico trata as questões tributária, trabalhista e previdenciária, entre tantas outras que têm sido irresponsavelmente proteladas.