Não pode ser por mera coincidência que os dois economistas mais falados da atualidade, o francês Thomas Piketty e o escocês Angus Deaton, tenham dirigido boa parte de seus estudos para encontrar soluções tributárias para problemas da desigualdade. São acadêmicos vinculados a conceituadas universidades cujos trabalhos intelectuais influenciam fortemente o nosso tempo.
O primeiro, autor do impactante livro O Capital no século XXI, explica que, na época em que a posse da terra era a forma mais efetiva de acumulação de capital, os estudiosos propunham a criação de um tributo sobre a propriedade que fosse capaz de controlar a acumulação desproporcional de terras nas mãos de poucos. Piketty lembra, no entanto, que, embora acumular propriedades fosse uma forma efetiva de gerar grande desigualdade, ainda tinha a vantagem de ser limitada: as terras acumuláveis têm um limite físico e a acumulação de dinheiro não tem limites. Por isso, Piketty propõe o aumento da tributação sobre a concentração de capital financeiro, buscando, assim, reduzir a desigualdade extremada e crescente que marca o século 21. O economista francês, inclusive, escreveu outro livro, menos conhecido, no qual defende a utilização dos sistemas tributários para alcançar a redução da desigualdade econômica (Pour une Revolución Fiscal).
O segundo economista citado, Angus Deaton, vencedor do Nobel de Economia de 2015, estuda empiricamente o consumo doméstico nos lares mais afortunados e nos menos aquinhoados. Dessa forma, identifica a desigualdade como um fenômeno de má distribuição do consumo, o que é um problema social de graves implicações econômicas e vice-versa. Propõe Deaton a desoneração tributária do consumo de bens essenciais para os consumidores mais pobres, o que causa o duplo efeito de reduzir a desigualdade de consumo e aumentar a atividade econômica. Seu livro mais conhecido do público (The Great Escape – health, wealth, and origins of inequality) contém diversas passagens nas quais se demonstra a importância da adoção de critérios equânimes para a tributação da renda, tanto na cobrança (pretax) como na distribuição (aftertax), destacando que, quanto mais progressiva for a tributação – quem ganha mais paga mais –, melhor será essa equação. Além disso, dois de seus trabalhos científicos mais importantes examinaram o problema do design de tributos em países em desenvolvimento e também a equidade e a eficiência da estrutura da tributação indireta (como o ICMS, por exemplo), em notável contribuição para os estudos sobre a tributação ótima.
São teorias – tanto as de Piketty como as de Deaton – que revelam a importância do desenho da estrutura tributária de um país na promoção do desenvolvimento e na redução da desigualdade. Prêmio Nobel para a tributação.
Por isso, precisamos lembrar que aumentar ou reduzir tributos não é apenas uma questão de arrecadação – de tapar buracos orçamentários –, mas sobretudo uma questão de política de desenvolvimento e de redução de desigualdades, e também de combater as externalidades negativas na economia, como a ambiental. Arrecadar não basta, como já alertou o Banco Mundial.
Mas, mesmo sendo de raiz teórica keynesiana, o mais recente laureado com o Prêmio Nobel de Economia defende a responsabilidade com a questão tributária. Deaton adverte que nenhuma iniciativa de aumento da carga tributária pode ser realizada sem a participação dos pagadores de tributos (taxpayers). Além disso, lembra que em um sistema democrático é fundamental a avaliação que os pagadores de tributos fazem dos programas realizados com seu dinheiro e, mais amplamente, se esses programas de governo atendem as necessidades da maioria da população. Nesse quesito, no Brasil, ainda estamos engatinhando, ainda somos aprendizes de taxpayers – precisamos melhorar muito a percepção que temos com relação ao cuidado com o dinheiro público e a responsabilidade pessoal de seus gestores.
No campo da política fiscal, como vimos recentemente, as medidas anticíclicas do governo – desonerando tributariamente alguns setores produtivos, sobretudo da indústria automobilística – geraram irreparável perda de arrecadação e tiveram curtíssimo efeito para a manutenção da atividade econômica. Agora, para pagar o rombo fiscal, o governo propõe a ressuscitação do mais regressivo dos tributos: a CPMF, que, ao ser igual para todos, atinge a todos desigualmente. É regressivo porque quem ganha menos pagará mais, graças ao chamado “efeito cascata” dessa contribuição, já que deságua com mais força justamente na ponta final de consumo, na ponta das famílias (taxpayers) que têm praticamente toda sua renda comprometida com a compra de itens básicos – gerando ainda mais empobrecimento, aumento de preços (inflação), redução da capacidade de compra e, logo, contribuindo para a recessão econômica. Ou seja, saltamos diretamente de medidas supostamente anticíclicas para outra claramente “procíclica” – capaz de aprofundar ainda mais o quadro recessivo.
Como se vê, os formuladores de política fiscal do país não ganhariam o Prêmio Nobel de Economia. Aliás, seria melhor para todos que o governo, antes de formular açodadas propostas tributárias, consultasse os universitários.