O acrônimo ESG (Environmental, Social and Governance), traduzido como Ambiental, Social e Governança (ASG), surgiu em 2004, após uma provocação do ex-secretário da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, sugerindo aos presidentes das maiores instituições financeiras do mundo, soluções de integração entre gestão/ética das empresas, no desenvolvimento de suas atividades, e sustentabilidade ambiental, envolvendo todo o mercado internacional. Embora as práticas relacionadas ao termo pareçam recentes devido à visibilidade expressiva sobre o tema nos últimos cinco anos, estão pautadas em uma preocupação já publicizada em 1987, pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU.
A expressão “sustentabilidade” tem sido utilizada há décadas no contexto empresarial, que notoriamente está diretamente ligado aos impactos ambientais. No entanto, a dificuldade na incorporação de propostas ambientais pelo mundo corporativo, é resultado de fatores como ausência de clareza sobre a concepção do termo – que compromete a objetividade das práticas relacionadas –, bem como falta de compreensão dos empresários quanto à necessária implementação de valores na gestão ética do negócio. Tal abordagem indica como tarefa central do processo de gerenciamento, a integração dos interesses dos acionistas, funcionários, clientes, fornecedores, comunidades e outros grupos, para que o sucesso da empresa seja garantido a longo prazo, visão esta já mencionada pelo filósofo e professor de Administração, Robert Edward Freeman, em 1980, na obra “A Stakeholder Approach to Strategic Management”.
O conceito não é novidade. A pauta ESG, em verdade, reacende e impulsiona essa concepção, apoiada na necessária interdisciplinaridade entre os aspectos sociais, ambientais e de governança, trazendo um formato mais delineado para a consolidação dessas práticas. Essa tríade sugere transcender o objetivo precípuo das corporações voltadas exclusivamente a lucros, prejuízos e resultados, recomendando a elaboração de objetivos e definição de valores que são capazes de impactar qualquer pessoa ou organização envolvida. Em conjunto com tais práticas, espera-se políticas anticorrupção e transparência tributária, tudo focado na minimização de danos ambientais e bem-estar da sociedade futura a partir da construção do conceito de responsabilidade social.
Esse viés crítico acerca de uma gestão mais comprometida entre corporações e Estado, tem gerado sensibilização no mundo corporativo, e é oriundo da alteração significativa do cenário mundial em diversas frentes, que demandam urgência na transformação da condução dos investimentos: crescentes movimentações sociais relacionadas à inclusão e diversidade, operações empresariais dependentes da biodiversidade e das mudanças climáticas, além da recente crise sanitária decorrente da pandemia de COVID-19. E é nesse cenário, para além das motivações globais citadas, que surgem as implicações fiscais, sobretudo diante da PEC nº 45/2019, transformada na Emenda Constitucional nº 132/2023, que impõe alterações expressivas do sistema tributário nacional, cujo tema vem sendo abordado frequentemente pelo nosso time.
Observa-se, imediatamente, o alinhamento da EC referida com a pauta ESG, quando inclui na Constituição da República Federativa do Brasil a necessidade de observância, pelo Código Tributário Nacional, da defesa do meio ambiente e a concessão de incentivos regionais considerando critérios de preservação do meio ambiente, cujas redações impõem a aplicação do universo normativo privilegiando uma base principiológica ambiental como vetor de interpretação (art. 145, § 3º e art. 43, § 4º da CRFB).
Não só, existem outras previsões com efeitos práticos relacionados à Reforma Tributária:
- Prioridade, pelos Estados e Distrito Federal, de projetos que prevejam ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (art. 159-A, § 2º da CRFB), na aplicação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional;
- Regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono a fim de assegurar-lhes tributação inferior a incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes (art. 225, § 1º, VIII da CRFB);
- Incentivos às boas práticas ambientais, à exemplo do § 2º do art. 158 da CRFB que recompensa os Municípios que colaborem para o bem-estar do Estado através da preservação de recursos naturais;
- Incidência do Imposto Seletivo sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (art. 153, VIII da CRFB).
Quanto ao Imposto Seletivo (item nº 4), que vem sendo popularizado como “imposto do pecado”, vale destacar sua natureza, já que assume uma espécie de mecanismo tributário voltado à proteção da saúde e do meio ambiente de forma ainda mais incisiva. Isso porque, o imposto visa desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais, e a lista de “pecados” para sua incidência inclui cigarros, bebidas alcoólicas, apostas, alimentos com alto teor de açúcar e combustíveis fósseis.
O fundamento para sua instituição, vai além da arrecadação em si, quando se apoia no outro extremo: o prejuízo. Segundo dados da ONU[1], o rombo financeiro com o uso do tabaco, por exemplo, gera gastos com cuidados de saúde em cerca de US$ 1 trilhão ao ano, e mais de 80% das vítimas estão em países em desenvolvimento. No Brasil, o segmento já chegou a gerar 13 bilhões em impostos ao passo que o tratamento de doenças oriundas do uso do tabaco, associada à perda de produtividade, foi de 57 bilhões.
O mesmo acontece com o consumo de bebidas e alimentos artificialmente adoçados e dotados de alto teor de compostos químicos, que já são alvo do Estado em virtude de sua relação com a obesidade, diabetes e até mesmo para a Covid-19 como fator de risco. Nesse sentido, a Reforma Tributária propõe a incidência do mencionado imposto desde a produção, extração, comercialização até a importação sobre esses bens e serviços (art. 153, VIII da CRFB), com o fim de desestimular o comportamento dos consumidores, exercendo influência no preço e minimizando os impactos sociais, sobre o sistema de saúde e a economia, que são os pilares das práticas ESG. Assim, corporações com potencial poluente e atuantes nesses segmentos, terão carga tributária maior, enquanto as empresas que evidenciarem compromisso com a redução do impacto ambiental e à saúde, poderão aproveitar benefícios fiscais.
Apesar da ausência de definição das alíquotas e do método de cobrança no texto tributário, que depende de regulamentação por meio de Lei Complementar posterior, tal cenário já é objeto de preocupação e questionamento dos empresários. Setores de ultraprocessados, por exemplo, articulam métodos de blindagem sugerindo ao Congresso a criação de regras e regulamentações distintas para cada tipo de alimento considerado nocivo. De outro lado, o Agronegócio, responsável por conferir destaque mundial ao Brasil, e que gera consumo de defensivos agrícolas (agrotóxicos/pesticidas) em escala, já ressaltou que a ausência do uso destes compostos (ou determinado grau de diminuição) afetaria sua produção com redução na ordem de 50%, gerando impactos, inclusive, em terras hoje cobertas por florestas, as quais precisariam ser incorporadas para aumento da produção, segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA).
Diante disso, é imprescindível que os gestores, desde já, tomem nota dos impactos fiscais dentro da pauta ESG e se mantenham atualizados, possibilitando um processo de adequação mais facilitado e sem prejuízo, já que os pontos aqui destacados assumirão caráter obrigacional, conforme trâmite legal já exemplificado pelo nosso time (link). Às empresas que possuem potencial poluidor ou utilizam recursos naturais em sua produção, já foram estabelecidos prazos para cumprimento de obrigações ambientais e já existe um calendário com os principais previstos ao longo deste ano, o que também pode ser acessado em nosso site, conforme publicação do último dia 15 (link).
A integração com a sustentabilidade já é realidade e adotada por diversos países, assumindo nova roupagem com o desenvolvimento das práticas ESG, sobretudo com a ênfase conferida à Governança, pois influenciará diretamente na relação entre o Estado e o empresário no que diz respeito ao grau de confiabilidade desse vínculo. A ausência de adequação, por sua vez, pode ocasionar a perda de oportunidades de crescimento e desvantagem competitiva. Por isso, o Núcleo de Direito Tributário do Marins Bertoldi Advogados está acompanhando atentamente as atualizações do tema, colocando-se à disposição para suprir eventuais dúvidas e aprofundá-las dentro de cada realidade empresarial.
Por Ariana de Paula Andrade Amorim e Janini Denipoti