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 A (não) inclusão dosdescontos comerciais na basede cálculo do PIS e da COFINS de empresas varejistas

Publicado em: 23 jul 2024

O comércio varejista é um dos setores que mais movimenta a economia brasileira. No ano de 2021, mesmo durante a pandemia, este segmento movimentou certa de 22,9% do PIB nacional (aproximadamente R$ 1,99 trilhões de reais)[1].

Diante de sua expressiva contribuição econômica, não é de se espantar a existência de controvérsias tributárias específicas sobre este segmento. Uma delas ganhou força nos últimos meses: a incidência do PIS e da COFINS sobre as bonificações e os descontos comerciais concedidos pelos fornecedores aos varejistas. 

Antes de aprofundar o mérito desta discussão, precisamos trazer algumas premissas básicas – mas necessárias – sobre a atividade comercial do “varejo”.

Em linhas gerais, o comércio varejista consiste na venda de mercadorias para consumidores finais. Na maioria das vezes, estes produtos são fabricados por terceiros, de modo que o varejista adquire para posterior revenda. Dois bons exemplos de empresas varejistas são as redes de supermercado e as lojas de conveniência.

Sendo a maior parcela dos produtos adquiridos de terceiros para posterior revenda, é comum que, na prática comercial, os fabricantes concedam às empresas varejistas descontos ou bonificações para fomentar o volume de transações dos produtos de sua marca.

Tomemos como exemplo uma rede de supermercados que adquire 1000 unidades de refrigerantes e, em razão da grande quantidade do pedido, o fabricante do produto concede um desconto de 10% sobre esta aquisição.

Na prática, a rede de supermercado terá uma redução de custos na aquisição destas mercadorias (receberá 1000 unidades, mas somente desembolará o valor correspondente ao preço de 900 unidades). Por outro lado, o fornecedor fidelizará o seu cliente – a empresa supermercadista – e será beneficiado com a maior exposição e circulação de seus produtos.

Tendo em mente este cenário, a discussão central gira em torno do seguinte questionamento: o valor das 100 unidades que “não foram pagas” pode compor a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS exigidas da empresa varejista (adquirente dos produtos)?

 A Receita Federal entende que sim. Segundo o entendimento manifestado na Solução de Consulta COSIT nº 542/2017, este abatimento recebido de fornecedores representaria uma “receita” da empresa varejista, sujeita à incidência do PIS e da COFINS.

Todavia, este raciocínio não nos parece ser assim tão simples, necessitando um maior estudo sobre o tema, em especial sobre o conceito de “receita” definido pelos tribunais superiores ao longo dos últimos anos.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, somente serão passíveis de tributação pelas contribuições sociais os ingressos financeiros que: possuam relação de causalidade com as atividades econômicas exercidas pela pessoa jurídica contribuinte; constituam elementos novos e positivos; e sejam incorporados ao patrimônio de modo permanente ou definitivo, sem reservas ou condições.

No exemplo aqui analisado, a empresa varejista – que adquiriu as 1000 unidades de refrigerante com desconto – somente obterá “receita” quando da posterior revenda dos referidos produtos aos consumidores finais.

Antes da operação de revenda, não há que se falar em obtenção de receita, uma vez que o ato de pagar com desconto não revela o ingresso de riqueza nova que se integre ao patrimônio da varejista de maneira positiva e definitiva.

Também é importante registrar que, por figurar como adquirente do produto com desconto (e não como fornecedora do produto), é desinfluente para a definição da tributação da empresa varejista a classificação do desconto em “condicional” ou “incondicional”.

Nos termos da legislação de regência do PIS e da COFINS, não integra a base de cálculo da contribuição as receitas referentes às vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos (art. 1º, § 3º, V, “a”, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003). Ou seja, a classificação dos descontos como “condicionais” ou “incondicionais” só ganha relevância para o fornecedor do produto, contribuinte que promove a venda e concede o desconto na operação em referência.

Como os varejistas incorrem em despesa quando da compra dos produtos para revenda, os descontos recebidos representam meros redutores de custo, razão pela qual não devem compor a base de cálculo do PIS e da COFINS.

Outro argumento defendido pelo Fisco seria o enquadramento dos descontos comerciais como espécie de “remuneração” de serviços prestados pelas empresas varejistas em benefício de seus fornecedores.

Este posicionamento também não parece ser o mais adequado ao tema pelo simples fato de não ser a varejista uma prestadora de serviços, mas uma empresa comercial (dedicada à compra e venda de mercadorias).

Os contratos de compra e venda envolvem duas obrigações: (i) enquanto o vendedor (fornecedor) obriga-se a entregar a coisa; (ii) o comprador (varejista) obriga-se tão somente a pagar o preço pactuado.

O negócio jurídico firmado entre as partes se encerra com o cumprimento das obrigações descritas acima, inexistindo obrigação de fazer – ou prestação de serviço – por parte do comprador (varejista).

Na esfera administrativa, o CARF já afastou a incidência do PIS e da COFINS sobre descontos comerciais recebidos pelos varejistas. No Acórdão nº 9303-013.338, prevaleceu o entendimento da Conselheira Tatiana Midori Migiyama, no sentido de que “a diminuição do custo não confere constituição de receita, vez que os bens bonificados não implicam também em valor maior de créditos no regime não cumulativo. Assim, as mercadorias recebidas como bonificações não integram a base de cálculo do PIS e da COFINS.”

No judiciário, a jurisprudência sobre este tema ainda é oscilante. A 1ª Turma do STJ, quando do julgamento do REsp nº 1.836.082/SE (11/04/2023), firmou entendimento de que “os descontos concedidos pelo fornecedor ao varejista, mesmo quando condicionados a contraprestações vinculadas à operação de compra e venda, não constituem parcelas aptas a possibilitar a incidência da contribuição ao PIS e da COFINS a cargo do adquirente.”

O entendimento que prevaleceu foi o da Relatora Ministra Regina Helena Costa, cujo voto assevera que o adquirente da mercadoria (varejista) incorre em custo, nunca em receita. A Ministra também afastou a equiparação dos descontos à remuneração por um serviço prestado, “sob pena de modificar a essência do negócio jurídico pactuado” (compra e venda).

Por outro lado, a 2ª Turma do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 2090134/RS, divergiu da 1ª Turma, entendendo pela incidência das contribuições sociais. 

Neste último caso, prevaleceu o entendimento proferido pelo Min. Francisco Falcão, no sentido de que “os descontos e as bonificações são as retribuições devidas aos varejistas pelos fornecedores, em virtude das medidas destinadas à ampliação de vendas dos seus produtos (propaganda e promoções, por exemplo), do posicionamento e tratamento privilegiado nas gôndolas e nos estabelecimentos (aluguel de espaço e verbas para promotores de vendas, por exemplo).”

A divergência no Judiciário continua causando uma insegurança jurídica para o segmento. Como o posicionamento das Turmas do STJ permanece conflitante, é de se esperar que o tema seja pautado para julgamento pela Primeira Seção do Tribunal, responsável pela uniformização de controvérsias tributárias.

O Núcleo de Direito Tributário do Marins Bertoldi Advogados acompanha atentamente os desdobramentos do tema e coloca-se à inteira disposição para sanar eventuais dúvidas e aprofundá-lo dentro de cada realidade empresarial. 

Por Augusto Chimborski e João Vitor Oliveira Marques


[1] Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/estudos-noticias-o-varejo-na-economia-brasileira,cdf0126117ee5810VgnVCM1000001b00320aRCRD#:~:text=No%20que%20se%20refere%20a,%2C7%25%20do%20PIB%20nacional.

Augusto Chimborski

Augusto Chimborski iniciou sua trajetória profissional como estagiário no escritório Marins Bertoldi Advogados, atuando nas áreas contenciosa e consultiva para clientes de diversos setores da economia. Após se graduar em...

João Vitor Oliveira Marques

João Marques teve seu primeiro contato com o Direito Público em estágio realizado na Procuradoria Geral do Estado, onde assessorou os procuradores responsáveis pela representação do Estado do Paraná nas...
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