Artigos

Em M&A, tudo é preço: a cláusula de sandbagging e sua compatibilidade com o Direito Brasileiro

Publicado em: 26 dez 2025

Por Pedro Carvalalho da Costa e Vitória Araujo Bilibio

Esse é o primeiro artigo na série “Em M&A, tudo é preço”, na qual procuraremos explorar algumas cláusulas típicas de contratos de M&A, as quais todos os profissionais da área (advogados, contadores, economistas, administradores etc.) precisam dominar em uma mesa de negociação, adequando-as para as necessidades de seus clientes.

Uma dessas cláusulas típicas é a chamada sandbagging, cláusula que abarca e lida com um assunto muito sensível ao Direito Brasileiro: a boa-fé objetiva nas relações negociais e a possibilidade de se beneficiar de atos que possam conflitar com esse princípio.

A sandbagging trata sobre o que o comprador pode fazer na seguinte situação: antes de fechar o negócio, o comprador descobre algum problema com a empresa, que pode afetar seu desempenho, o preço do negócio ou até mesmo as chances de sobrevivência, mas o comprador decide continuar e fecha a operação. Quais são as alternativas para o adquirente nesse caso?

Pode-se dividir essa cláusula em dois subtipos, a cláusula pro-sandbagging e a anti-sandbagging. Na pro-, há um favorecimento do comprador, de forma que, mesmo que ele soubesse do problema relacionado à empresa e não tenha declarado no decorrer das negociações, se houve uma declaração ou garantia, por parte do vendedor, de que a empresa, estava regular, o adquirente ainda pode solicitar uma indenização ou outro remédio contratual.

Exemplo: na cláusula de declarações e garantias, o vendedor informou que não há processos trabalhistas até a data do fechamento. Porém, durante a Due Diligence, o comprador descobriu uma demanda de mais de R$ 500.000,00, o que não foi informado ao alienante e ficou de fora do contrato. Havendo uma cláusula pro-sandbagging, o comprador pode solicitar uma indenização por quebra de declarações.

Há, do outro lado, a cláusula anti-sandbagging, que impede que o comprador solicite um remédio para informações que já eram de seu conhecimento até o fechamento da operação, mas que não foram informadas no contrato ou em outros instrumentos ou mesmo na mesa de negociação. Se houvesse uma anti-sandbagging no exemplo mencionado acima, o comprador iria amargar com o valor da indenização trabalhista, não lhe sendo autorizado acionar a cláusula de indenização para reaver eventuais valores dispendidos.

Assim como outros institutos de M&A, a sandbagging tem origem no Direito Estadounidense, cujos fundamentos são bastante diversos do que temos no Brasil, e por isso deve ser importada e implantada com cautela, sobretudo por conta das normas do Código Civil sobre boa-fé.

Prevista como cláusula geral e obrigatória em todos os contratos privados (art. 422), ela impõe regras de conduta como lealdade e probidade nas relações privadas. Dentre os deveres colaterais impostos pela boa-fé, estão a vedação ao comportamento contraditório e de se beneficiar da própria torpeza, que vão de encontro com a pro-sandbagging. Há, também, o art. 110, que dispõe que a reserva mental feita durante uma negociação não vincula a contraparte se referida reserva não foi em nenhum momento manifestada.

Os argumentos para a pro-sandbagging estão alinhados com a autonomia privada em geral, já que, em M&A, negociam-se direitos patrimoniais disponíveis. Assim, não haveria problema em inserir essa disposição em contratos de alienação de participação societária. Não se pode olvidar que o vendedor, por estar em controle da sociedade vendida, é quem efetivamente detém as informações relevantes e pode muito bem selecionar quais fornecer e quais não fornecer ao comprador. A cláusula pro-sandbagging, assim, pode ser um instrumento útil para coibir comportamentos oportunistas e amenizar a assimetria de informação em um processo de M&A.

Como os tribunais brasileiros não estão acostumados com essa cláusula, sua inserção em contratos deve ser feita com cautela e com redações claras e precisas, para evitar litígios desnecessários e dúvidas a respeito de sua interpretação. Afinal, sua inclusão deve servir às partes e a melhor completude do contrato, não como uma fonte de atrito entre as partes.

Pedro Henrique Carvalho da Costa

Pedro iniciou sua trajetória no Direito Empresarial em 2015, quando foi estagiário no escritório de um importante professor da área em Curitiba. Tem passagem em outros importantes escritórios da cidade,...

Vitória Araujo Bilibio

Vitória é graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná e iniciou sua trajetória profissional em 2020, estagiando em um escritório de advocacia em Curitiba, na Área de Direito Administrativo,...
Rolar para cima