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Análise da Incidência do IRRF em Remessas ao Exterior para Pagamento de Serviços Técnicos: Julgamento Repetitivo no STJ 

Publicado em: 19 nov 2024

Por Raphael Scheffer Lima e Gabriel Henrique Santos Nunes  

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou, por meio do Recurso Especial nº 2.060.432, a discussão sobre a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nas remessas ao exterior destinadas ao pagamento de serviços prestados por estrangeiros. Esta decisão, em sede de julgamento repetitivo, vinculará todo o Poder Judiciário, evidenciando sua relevância jurídica e econômica. 

 O STJ determinou a suspensão da tramitação de todos os processos relacionados a esta matéria em primeira e segunda instâncias, incluindo aqueles em curso na própria Corte Superior. Esta medida visa garantir segurança jurídica e uniformidade nas decisões futuras. 

O tema é de particular interesse para empresas brasileiras que contratam serviços técnicos de países com os quais o Brasil mantém tratados para evitar a bitributação. A controvérsia centra-se na determinação do local de tributação: exclusivamente no país de origem do prestador ou cumulativamente no Brasil e no exterior. 

Para compreender o debate, é fundamental analisar três artigos do modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), referência para os tratados internacionais do Brasil, que assim podem ser resumidos: 

  • Artigo 7º – Lucros das Empresas: Estabelece competência exclusiva do Estado de residência para tributação. (Tributação somente no exterior)  
  • Artigo 12º – Royalties: Permite tributação cumulativa em ambos os Estados. (Tributação em ambos os países)  
  • Artigo 21º – Outros Rendimentos: Autoriza tributação na fonte. (Tributação somente no Brasil) 

Além disso, é necessário analisar os protocolos dos tratados internacionais que evitam a dupla tributação, pois alguns desses protocolos dispõem que pagamentos de qualquer natureza, recebidos como remuneração pela prestação de serviços técnicos, devem ser tratados como royalties e, portanto, tributados em ambos os países.  

A interpretação sobre a tributação de serviços técnicos prestados por estrangeiros a empresas brasileiras tem sido objeto de debate nos últimos anos, passando por diferentes interpretações tanto da Receita Federal quanto do Poder Judiciário. Essa evolução pode ser compreendida por meio de quatro momentos cruciais: 

Em 2000, a Receita Federal do Brasil emitiu o Ato Declaratório Normativo Cosit nº 01/2000. Este documento estabeleceu que os serviços técnicos sem transferência de tecnologia deveriam ser classificados como “outros rendimentos” nos tratados para evitar a bitributação celebrados pelo Brasil. Essa interpretação implicava que tais serviços deveriam ser tributados no país que contrata o serviço, ou seja, no Brasil. Este foi o primeiro posicionamento oficial sobre o tema, favorecendo a arrecadação fiscal brasileira. 

Uma mudança significativa ocorreu em 2012, quando a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp nº 1.161.467/RS, adotou um entendimento diferente. O tribunal decidiu que as remessas para pagamento de serviços técnicos deveriam ser tratadas como “lucros das empresas”. Esta interpretação implicava que a tributação deveria ocorrer exclusivamente no país de residência do prestador de serviços, ou seja, no país estrangeiro. Esta decisão foi vista como uma vitória para os contribuintes, pois reduzia a carga tributária sobre essas operações no Brasil. 

Em resposta à decisão do STJ, a Receita Federal emitiu, em 2014, o Ato Declaratório Interpretativo nº 05/2014. Este novo posicionamento buscou um meio-termo entre as interpretações anteriores. O documento estabeleceu que, nos tratados que expressamente classificam a prestação de serviços sem transferência de tecnologia como royalties, tais valores deveriam ser tributados de acordo com o regime estabelecido no artigo 12º do modelo OCDE. Na prática, isso significava a possibilidade de tributação em ambos os países (Brasil e o país do prestador de serviços), dependendo dos termos específicos de cada tratado internacional. 

Mais recentemente, o debate retornou à 2ª Turma do STJ, que adotou uma posição mais alinhada com o entendimento da Receita Federal. A nova decisão determinou que, nos casos em que o tratado internacional estipule expressamente que os serviços técnicos sem transferência de tecnologia devem ser tratados como royalties, as disposições acordadas entre os Estados contratantes devem ser respeitadas. Esta decisão favorece o Fisco brasileiro, permitindo a tributação no Brasil quando prevista nos tratados internacionais. 

Esta evolução demonstra a complexidade do tema e a importância de analisar cuidadosamente cada caso, considerando não apenas a legislação brasileira, mas também os termos específicos dos tratados internacionais para evitar a bitributação. A decisão pendente do STJ em sede de recurso repetitivo busca estabelecer um entendimento uniforme sobre esta questão, o que terá impactos significativos para empresas brasileiras que contratam serviços técnicos internacionais. 

Os contribuintes argumentam que, mesmo nos tratados que, em seus protocolos, reconhecem esses serviços como royalties, a remessa deveria ser tratada como “lucros das empresas”. Alegam que a classificação como royalties exigiria transferência de tecnologia, não apenas fornecimento de conhecimento técnico (o debate sobre o que constitui um serviço com transferência de tecnologia será abordado em um próximo artigo, dada a complexidade da discussão).  

Nesse cenário, o julgamento do tema pelo STJ, por meio da sistemática dos recursos repetitivos, terá como objetivo uniformizar o entendimento sobre a matéria, possibilitando a aplicação da modulação dos efeitos da decisão a ser adotada. Caso o Superior Tribunal de Justiça decida pela não incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre as remessas ao exterior vinculadas aos serviços que menciona, surgirá uma oportunidade para que as empresas que ajuizaram ações antes da modulação do STJ possam pleitear a restituição dos valores pagos nos últimos cinco anos a título de Imposto de Renda Retido na Fonte relativamente a tais serviços. 

O Núcleo de Direito Tributário do Marins Bertoldi Advogados mantém-se vigilante quanto aos desdobramentos deste tema crucial e coloca-se à disposição para esclarecimentos adicionais e assistência jurídica especializada. 

Raphael Scheffer Lima

Raphael Scheffer Lima é advogado, contador, perito contábil e conselheiro fiscal, com mais de 15 anos de carreira, com experiência tanto no consultivo quanto no contencioso tributário. Iniciou sua carreira...
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