Por Carolina Schramm
Empresas que operam com um volume recorrente de vendas a prazo, financiamentos e/ou prestação de serviços parcelados enfrentam o desafio constante de equilibrar fluxo de caixa, reduzir dependência de crédito bancário e melhorar indicadores financeiros.
Nesse contexto, o Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”) surge como uma solução estratégica para transformar recebíveis em capital de forma estruturada, com benefícios fiscais e societários relevantes.
Com a crescente sofisticação do mercado de capitais brasileiro e o aumento do apetite por instrumentos alternativos de financiamento e investimento, o FIDC tornou-se uma alternativa viável e estratégica, tanto para empresas que buscam liquidez e benefícios fiscais, quanto para investidores que desejam diversificação e previsibilidade de fluxo de caixa.
Mais do que um instrumento financeiro, o FIDC é uma ferramenta de gestão e captação que pode melhorar a saúde financeira da empresa, atrair investidores e liberar recursos para expansão.
Vale destacar, no entanto, que o FIDC é indicado para empresas com carteira de recebíveis relevante, recorrente e com baixo índice de inadimplência, sendo especialmente vantajoso para varejistas e e-commerces com recebíveis de cartão, escolas e universidades com mensalidades parceladas, prestadores de serviços com contratos recorrentes, indústrias com carteira de clientes B2B, construtoras e incorporadoras com recebíveis imobiliários, fintechs, factorings e empresas de crédito privado, por exemplo.
O FIDC, juridicamente constituído sob a forma de um condomínio fechado ou aberto, é regulado atualmente pela Resolução da CVM nº 175/2022 (que substituiu a Instrução da CVM nº 356/2001), e destinado à aquisição de direitos creditórios. Tais créditos podem derivar de duplicatas, contratos de financiamento, aluguéis, créditos educacionais, planos de saúde, dentre outros.
A sua estruturação envolve diversos agentes, tais como: i) o cedente (empresa que origina os direitos creditórios e transfere os recebíveis para o fundo, recebendo antecipadamente o valor presente desses créditos com deságio); ii) o cessionário (próprio FIDC, que compra os direitos creditórios, passando a ser o titular dos créditos a eles relativos em face dos devedores, distribuindo os resultados aos seus quotistas); iii) os quotistas (que aplicam seus recursos no FIDC, para fins de financiamento da aquisição dos recebíveis), sendo as quotas classificadas em tipo sênior (prioridade no recebimento e menor risco), mezanino (se existente, com risco e retornos intermediários) e subordinada (que assume os primeiros riscos de eventual inadimplência, servindo de proteção às quotas sênior); iv) o administrador (instituição financeira autorizada pela CVM responsável pela gestão operacional, contratação de prestadores de serviços e pela prestação de informações aos quotistas e à CVM); v) o gestor (pessoa contratada pelo administrador para seleção dos direitos creditórios que comporão a carteira do fundo, dentro de critérios estabelecidos em seu regulamento); vi) o custodiante (instituição financeira, o administrador ou um terceiro especializado, que faz o controle dos direitos creditórios adquiridos); vii) o auditor independente (empresa especializada que realiza auditoria periódica nas demonstrações financeiras do FIDC, assegurando transparência e veracidade das informações prestadas aos investidores; e viii) o consultor de crédito, caso existente (empresa ou profissional especializado em análise de crédito, de modo a prever riscos de inadimplemento).
O processo de constituição do FIDC engloba, sem se limitar: i) a análise de sua viabilidade e das vantagens do ponto de vista tributário, contábil e societário; ii) a definição de suas características (se aberto ou fechado, se voltado a investidores qualificados, profissionais ou gerais, seus tipos de créditos, critérios de elegibilidade concentração, risco e política de distribuição de rendimentos, por exemplo); iii) a elaboração de seu regulamento, da escritura de emissão e quotas, dos contratos com prestadores de serviços e de cessão de créditos, da política de crédito e elegibilidade e outros instrumentos jurídicos; iv) a contratação dos prestadores de serviço obrigatórios (administrador, gestor, custodiante, auditor, etc.); v) a criação de um CNPJ, o registro do fundo na CVM e na B3, neste último caso, se houver a negociação de quotas em mercado secundário (quando investidores negociam entre si ativos que já foram emitidos).
O funcionamento do FIDC, por sua vez, é regido pelo seu regulamento, que define, dentre outros assuntos, políticas de investimento, critérios de elegibilidade dos créditos, perfil dos quotistas, regras de remuneração, amortização e resgate, direitos e deveres dos participantes, regras sobre emissão e negociação das quotas, governança e administração, taxas, encargos e despesas, regras de assembleias, liquidação e encerramento, direito à informação, dentre outras.
A criação de um FIDC exige, assim, uma estrutura robusta que envolve alguns custos fixos. No entanto, apesar dessas despesas, a economia com juros bancários, o ganho de previsibilidade e a eficiência tributária costumam compensar amplamente o investimento para empresas com o perfil adequado.
Dentre as vantagens tributárias que um FIDC pode oferecer, citam-se, a título de exemplo: i) o FIDC, por ser constituído na modalidade de condomínio, é isento de impostos diretos sobre a sua própria atividade, como IRPJ, CSLL, PIS e COFINS; e ii) para os quotistas, a tributação segue a tabela regressiva do imposto de renda sobre a renda fixa, com alíquotas que vão de 22,5% a 15%, dependendo do prazo de aplicação, sendo utilizado: ii.i) para os FIDCs abertos, o sistema de “come-cotas”, com antecipação semestral do imposto de renda e, ii.ii) para os FIDCs fechados, a incidência do imposto de renda apenas no resgate, amortização ou venda das quotas, sem come-cotas, permitindo o diferimento da tributação. De outro lado, a empresa cedente pode se beneficiar de uma despesa financeira dedutível para fins de cálculo do IRPJ (15% + adicional de 10%) e CSLL (9%), quando da cessão de seus créditos com deságio, no importe total de 34%, caso seja tributada pelo lucro real.
Além do aspecto tributário, o FIDC também oferece vantagens societárias relevantes, a saber: i) redução dos custos de captação e sem que haja diluição societária: recursos captados diretamente de investidores, o que reduz a dependência do crédito bancário tradicional e a necessidade de negociação de taxas mais atrativas; ii) governança e transparência: a constituição de um FIDC exige a participação de agentes fiduciários, custodiante e auditoria independente, o que melhora o nível de governança e credibilidade da empresa perante o mercado; iii) facilidade de estruturação personalizada: o FIDC pode ser estruturado sob medida, com diferentes classes de quotas (sênior, mezanino, subordinada), permitindo calibrar o risco entre os investidores; iv) maior proteção dos recebíveis: eventual execução (civil ou fiscal, por exemplo), recuperação judicial ou até falência, em face da empresa cedente, não poderão expropriar os recebíveis transferidos ao FIDC, protegendo-os dos riscos da atividade operacional da empresa que os originou; v) planejamento patrimonial e sucessório: o FIDC pode ser utilizado como veículo para reorganização de ativos e sucessão empresarial; vi) melhoria de indicadores contábeis: se a cessão de créditos para o FIDC for feita de forma estruturada, com transferência efetiva dos riscos e benefícios dos recebíveis, isso permite à empresa retirar os ativos do balanço, gerando uma melhoria contábil nos indicadores de liquidez, endividamento e solvência.
De todo o exposto, portanto, verifica-se que empresários que operam com carteira relevante de recebíveis devem considerar seriamente a estruturação de um FIDC, especialmente em momentos de juros altos, retração de crédito e necessidade de capital para expansão.
Para sua correta implementação, contudo, é essencial que haja uma assessoria jurídica especializada, dada a complexidade documental e regulatória envolvida (CVM, ANBIMA, BACEN), bem como, a necessidade de uma análise tributária e contábil individualizada para cada estrutura.
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