O papel do cônjuge e do companheiro na sucessão hereditária sempre foi um tema de grande relevância e complexidade no direito brasileiro. A legislação vigente bem como a interpretação jurisprudencial moldam o entendimento sobre a matéria. Recentemente, propostas de reforma têm sido discutidas para alterar aspectos fundamentais do Código Civil Brasileiro, trazendo novas perspectivas sobre os direitos dos cônjuges e companheiros na sucessão. Este artigo busca analisar a posição atual da jurisprudência e explorar as mudanças propostas pelo projeto de reforma do Código Civil.
Herdeiro Necessário: Conceito e Regras Atuais
No Brasil, o conceito de herdeiro necessário é estabelecido pelo Código Civil de 2002, no artigo 1.845. De acordo com este artigo, são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. A herança necessária, ou legítima, é a parte da herança que a lei reserva obrigatoriamente a esses herdeiros (50% dos bens), independentemente da vontade do falecido expressa em testamento.
O cônjuge, como herdeiro necessário, tem direito a uma parte da herança, que é calculada conforme o regime de bens adotado no casamento. Por exemplo, no regime da comunhão universal de bens, o cônjuge tem direito à metade dos bens adquiridos durante o casamento e à totalidade da herança, se não houver descendentes ou ascendentes e se o casal não estiver separado de fato ou judicialmente.
Por outro lado, o companheiro não goza do mesmo tratamento no sistema legal atual. O Código Civil de 2002 não confere expressamente ao companheiro a condição de herdeiro necessário, o que gera insegurança jurídica e interpretações jurisprudenciais divergentes sobre o tema.
Entendimento Jurisprudencial
A jurisprudência brasileira tem evoluído ao longo dos anos para tentar preencher as lacunas e ambiguidades do Código Civil sobre o enquadramento de companheiros como herdeiros necessários. Em diversos julgados, os tribunais têm reconhecido a necessidade de se assegurar aos companheiros, especialmente em uniões estáveis formalizadas, direitos sucessórios que se aproximem dos concedidos aos cônjuges.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado a favor de uma maior igualdade entre cônjuges e companheiros. Em decisões recentes (temas 498 e 809), o STF declarou a inconstitucionalidade da distinção do regime sucessório entre cônjuges e companheiros.
No entanto, ainda existem divergências e debates quanto à extensão desses direitos e a forma como devem ser aplicados. Há o posicionamento de que, mesmo após a decisão do STF, não cabe a elevação do companheiro ao status de herdeiro necessário. Há, também, quem sustente que é possível afastar a condição de herdeiro necessário do companheiro mediante pacto convivencial ou testamento. Tais controvérsias demonstram a necessidade de atualização normativa de modo a conferir mais clareza a respeito dos direitos sucessórios.
Mudanças Propostas pelo Projeto de Reforma do Código Civil
O anteprojeto de lei para revisão e atualização do Código Civil de 2002, em tramitação no Senado Federal, propõe importantes mudanças que visam atualizar e harmonizar as disposições sobre a sucessão. Dentre as alterações propostas, destaca-se a inclusão do companheiro na ordem de vocação hereditária disposta no art. 1.829, III, equiparando-o ao cônjuge. Por outro lado, exclui o cônjuge (e, consequentemente, o companheiro) do rol de herdeiros necessários disposto no art. 1.845.
Se aprovada a nova redação, os cônjuges e companheiros poderão ser afastados da sucessão por testamento, pactos conjugais ou convivenciais, partilha em vida e/ou renúncia prévia à herança.
Conclusão
O debate em torno do papel do cônjuge e do companheiro na sucessão demonstra a necessidade de uma legislação que reflita as realidades das famílias modernas e que garanta flexibilidade para que os casais decidam como planejar a sucessão.
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Por Ana Cláudia Lachakoski