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Da limitação ao direito de saída voluntária de sócio em sociedades limitadas

Publicado em: 01 jun 2009

Em sociedades limitadas contratadas por prazo indeterminado (que são a regra geral, em razão da rara contratação por prazo determinado), os sócios têm o direito de sair da sociedade, sem necessidade de revelação de motivo. Basta notificar os demais sócios com antecedência mínima de 60 dias, segundo dispõe o art. 1.029 do Código Civil.

A previsão legal deste direito vem na linha do direito constitucional da liberdade de associação (lembrando que, no plano da Constituição, o termo associação é utilizado em sentido lato, abrangendo as sociedades empresárias).

O problema não está na previsão legal do direito (ainda que a sua inclusão expressa apenas no capítulo das sociedades simples tenha gerado alguns debates doutrinários quanto à sua extensão às sociedades limitadas). O problema está na operacionalização deste direito.

Tem-se entendido que o sócio que deseja se retirar da sociedade deve proceder à notificação dos demais sócios e arquivar na Junta Comercial este documento. Mas este arquivamento não seria suficiente para que se procedesse a uma alteração material no quadro de sócios. Seria necessária (ante a natural inércia dos demais sócios em proceder à alteração do contrato social, reconhecendo e formalizando a retirada) a propositura de ação cujo objeto fosse a declaração do afastamento do sócio.

Acreditamos que este entendimento deve ser revisto. E nos valemos de dois argumentos para justificar nossa oposição. Inicialmente, deve-se ter em consideração que a tutela judicial seria absolutamente vazia, na medida em que o magistrado se limitaria a homologar um direito desvinculado de causa ou motivação, fundado tão-somente no fato da notificação.

O direito de saída está previsto claramente na lei. O único requisito a ser cumprido é a notificação aos demais sócios. Não haveria, assim, matéria a ser analisada no plano judicial que não pudesse ser objeto de exame e homologação pela própria Junta Comercial (com evidente possibilidade de revisão judicial posterior, se houver ilegalidade com imposição de prejuízo a outrem). Fazer com que haja necessidade de propositura de uma ação para a declaração de um direito que poderia ser homologado na instância administrativa é caminhar na contramão das reformas processuais, que tentam esvaziar o Judiciário de demandas que poderiam ser resolvidas de forma alternativa. Considere-se, ainda, que a propositura de uma ação faz com que os custos de contratação de um escritório de advocacia sejam consideravelmente elevados. O que poderia se resolver com uma notificação e um arquivamento ganha uma dimensão muitíssimo maior se formalmente se fizer necessária a propositura de uma ação, com todos os incidentes que devem ser superados até o seu encerramento.

Além deste argumento, consideramos oportuno recordar que o Código Civil instituiu um regime de regulação das sociedades limitadas que permite, em outros campos, a alteração de elementos materiais do contrato social sem que se proceda ao arquivamento de um instrumento formal de alteração contratual.

Administradores podem ser nomeados e afastados por documentos separados. Filiais podem ser abertas ou encerradas por ata. E, o que é mais relevante para a matéria em análise, o próprio quadro se sócios pode ser alterado sem que se proceda a uma alteração formal do contrato social.

De acordo com o art. 1.057 do Código Civil, se não houver regulação em sentido diverso no contrato social, a transferência de quotas para alguém que já integre o quadro de sócios pode ser feita mesmo que se enfrente a oposição de todos os demais componentes da sociedade.

Caso um sócio deseje transferir sua participação societária a outro, com oposição dos demais, é evidente que não será possível a formalização de uma alteração de contrato social prevendo a alteração nas participações societárias. Os demais sócios não assinarão o documento.

Para sanar este problema, o parágrafo único do art. 1.057 prevê que a transferência de quotas gerará efeitos perante terceiros com o arquivamento do “respectivo instrumento”. Não se trata de alteração de contrato social, mas sim do contrato de compra e venda (ou de doação, ou de outro negócio jurídico de transferência) de quotas sociais. O arquivamento deste contrato é suficiente para que, materialmente, seja alterado o contrato social, inclusive para registrar a saída do sócio que transfere suas quotas.

Podemos, assim, usar de analogia, além do bom senso. Se, no âmbito de uma transferência de quotas a outro sócio é possível a formalização da saída de um sócio sem que se proceda a uma alteração formal do contrato social, não vemos razão para que não seja possível a formalização da saída de um sócio por meio do arquivamento da notificação aos demais sócios, feita nos termos do art. 1.029 do Código Civil.

Somente desta forma poderá ser garantida a eficácia deste direito claramente previsto na lei. E esta eficácia pode ser conquistada sem necessidade de reforma na lei. Basta a reforma na compreensão da matéria por parte dos órgãos de registro empresarial. Órgãos que têm mostrado muito mais comprometimento com a modernização de nosso direito empresarial do que aqueles que compõem o Poder Legislativo brasileiro.

Marins Bertoldi

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