Por Ana Caroline Ferreira e Raphael Scheffer Lima
As operações de fusão e aquisição (M&A) têm ganhado destaque no cenário corporativo à medida que empresas buscam expandir suas operações, ganhar escala e aumentar sua competitividade. No entanto, embora essas transações possam representar grandes oportunidades de crescimento, elas também envolvem desafios consideráveis — tanto do ponto de vista negocial quanto sob as perspectivas contábil e fiscal. Trata-se de um tema denso e multifacetado, que exige uma análise profunda e integrada de diversas frentes.
Um dos pontos mais sensíveis nesse contexto é a alocação do preço pago para obtenção do controle societário. Esse processo, além de tecnicamente complexo, é altamente relevante sob a ótica do fisco e dos contribuintes, especialmente por envolver a dedutibilidade de valores expressivos, como o ágio por rentabilidade futura (goodwill). Considerando a complexidade do tema, as nuances existentes e a documentação necessária para a formalização da operação, é indispensável uma abordagem criteriosa e alinhada com as normas.
Atualmente, as regras contábeis aplicáveis a esse tipo de transação estão estabelecidas no Pronunciamento Técnico CPC 15 (R1) e a base da legislação tributária está nas Leis nº 12.973/2014 e 9.532/1997.
O CPC 15 (R1) define como combinação de negócios qualquer transação pela qual o adquirente obtém o controle de um ou mais negócios, independentemente da forma jurídica utilizada. Considerando que a norma determina a “aquisição de controle”, podemos excluir do rol de operações abrangidas pelo CPC 15 aquelas onde já existe controle por uma das partes envolvidas (operação entre partes relacionadas). Esse controle pode ser adquirido de diversas formas, como transferência de ativos, emissão de ações ou combinação de diferentes instrumentos.
Além disso, para que um conjunto de ativos seja considerado um “negócio”, é necessário que ele tenha capacidade de gerar receitas de forma autônoma, o que inclui não apenas recursos econômicos, mas também processos relevantes. Essa definição é fundamental para determinar a correta aplicação das normas contábeis e fiscais.
A Lei nº 12.973/2014, por sua vez, exige que o contribuinte que avaliar o investimento com base no valor do patrimônio líquido realize o desdobramento do custo de aquisição em três componentes principais:
- Valor de patrimônio líquido na data da aquisição;
- Mais ou menos-valia (diferença entre o valor justo dos ativos líquidos e o patrimônio líquido contábil); e
- Ágio por rentabilidade futura ou ganho por compra vantajosa. Cada um desses elementos deve ser contabilizado em subcontas específicas para efeitos fiscais.
Para a correta mensuração desses valores, deve-se elaborar o Laudo de Alocação do Preço de Compra (PPA – Purchase Price Allocation), que define o valor justo dos ativos e passivos adquiridos. Esse laudo deve ser protocolado na Receita Federal até o último dia útil do 13º mês subsequente à data da aquisição, sob pena de o contribuinte perder o direito de aproveitar determinados benefícios fiscais.
Superada essa etapa, a legislação fiscal prevê alguns efeitos importantes. Um deles é a possibilidade de incorporar a mais ou menos-valia ao custo do investimento, permitindo sua dedutibilidade futura mediante realização (como depreciação, amortização ou alienação). Outro ponto é a amortização fiscal do goodwill, que pode ser deduzido à razão de 1/60 avos, desde que haja um “evento especial” como incorporação, fusão ou cisão envolvendo a investida.
No entanto, essa amortização fiscal do ágio tem sido alvo de intensos debates no âmbito do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
A Receita Federal tem questionado casos em que há indícios de planejamentos tributários abusivos, exigindo a comprovação de propósito negocial legítimo para validar os efeitos fiscais pretendidos. Há, inclusive, decisões divergentes que discutem desde o direito do contribuinte de organizar suas operações de forma mais eficiente, até a possibilidade de a autoridade fiscal desconsiderar estruturas jurídicas criadas com o único fim de reduzir carga tributária.
Em especial, há controvérsias quando a amortização do goodwill é realizada após uma reestruturação societária envolvendo empresas-veículo, ou seja, entidades criadas apenas para viabilizar a operação. Nessas situações, a jurisprudência tem oscilado entre reconhecer a validade da estrutura e entender que houve abuso de forma, o que pode invalidar a dedutibilidade fiscal do ágio. Diante disso, é importante destacar que o tema dos impactos contábeis e fiscais em M&A vai muito além do cálculo e da alocação de valores. Envolve também aspectos jurídicos, econômicos, estratégicos e até mesmo reputacionais. Por isso, cada operação deve ser analisada de forma individualizada e multidisciplinar, levando em consideração não apenas os aspectos formais, mas também a substância das transações.