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Liberdade, igualdade, dignidade

Publicado em: 02 mar 2009

Nestes tempos de crise, o mundo está buscando uma releitura da ordem econômica. Propostas concretas estão surgindo, envolvendo imposição de barreiras comerciais, estatização do sistema financeiro, restrições a demissões, suporte financeiro a setores fundamentais da economia e outras estratégias ainda menos ortodoxas. Poucos países (o Brasil, infelizmente, entre eles) mantêm um dolce far niente de achar que a crise não é com eles.

Vamos falar de quem está preocupado, e de suas propostas. Talvez o principal problema a ser enfrentado seja a definição do nível de liberdade no desenvolvimento da atividade econômica. Liberdade plena, como se viu, não dá em eficiência, mas em abusos. Abusos que geram desigualdade, que deve ser combatida pelo Estado. E aí surge a questão: em que medida a liberdade e a igualdade podem ser socialmente buscadas?

Ainda que os conceitos façam parte da tríade revolucionária, o que lhes confere uma aproximação natural, a liberdade e a igualdade somente podem conviver no plano da orientação geral das políticas sociais se houver uma relativização de ambas.

Estando a sociedade contemporânea fundada na economia de mercado, a liberdade também abrange a possibilidade de busca pelo desenvolvimento profissional individual por meio do empreendedorismo. Juridicamente, damos a esta possibilidade de escolha a designação de liberdade de iniciativa.

Uma sociedade fundada na liberdade de iniciativa será materialmente desigual. Empreendedores bem sucedidos, orientados pela inovação e pela eficiência, serão materialmente recompensados. E, neste processo essencialmente seletivo, resta evidente que o número de perdedores será significativo. Ou seja: o produto material da liberdade é a desigualdade.

Evidente que o Estado não poderia dar as costas a quem perde seu emprego, ou seu negócio, seja em tempos de estabilidade ou de crise. O que não é tão simples é definir qual a melhor linha de atuação estatal diante deste problema.

A estratégia mais simplista foi adotada até 1989 em nações que igualavam todos na pobreza. Nações que dividiam socialmente os prejuízos da ineficiência estatal. A estatização dos meios de produção somente não foi de todo enterrada porque ainda há teóricos, que não a viveram, que fecham os olhos à razão e à história em defesa de uma agenda de reformas que não se reforma há 40 anos. Teóricos que, quase todos, vivem na América Latina.

A estratégia mais falsa foi a saída retórica de afirmar que todos eram iguais no acesso às oportunidades de desenvolvimento individual. Caberia ao Estado fornecer educação. O resto caberia aos indivíduos. O preço da derrota era de responsabilidade do looser. Sociedades que conhecem o conceito jurídico e moral da dignidade humana não toleram esta formulação.

A estratégia mais justa provavelmente surgirá deste momento histórico em que a humanidade se viu obrigada a repensar a ordem econômica, estarrecida diante da inesperada e colossal crise.

A equação tem uma formulação simplista: não se pode abrir mão da eficiência econômica derivada da liberdade de iniciativa, ao mesmo tempo em que não se pode dar as costas aos desamparados em um processo naturalmente excludente da maioria. A materialização desta solução, contudo, revela uma enorme quantidade de problemas.

O erro essencial é limitar demasiadamente a liberdade, bloqueando as iniciativas empreendedoras. Impedir materialmente a liberdade de iniciativa pode propiciar maior igualdade; mas será uma igualdade na pobreza. É preciso crescer, assim como é preciso cuidar dos seres humanos envolvidos na seleção natural do mercado.

De outro lado, a ampliação da rede previdenciária estatal implica em custos que inibem fortemente a capacidade estatal de investimento em educação, infraestrutura e outros campos sem os quais o empreendedorismo não é viável.

A questão, como se vê, é de extrema complexidade. Muitas propostas ruins surgirão até que se divise o melhor caminho. O que não é admissível é manter uma postura passiva, acreditando que uma economia fundada em exportação de commodities pode ser sustentável durante e depois da crise.

Marins Bertoldi

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