Passados mais de dois anos do trânsito em julgado da tese do século, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS continua tendo novos desdobramentos nos Tribunais Superiores. E a discussão da vez diz respeito às ações rescisórias ajuizadas pela União com o objetivo aplicar a modulação de efeitos definida no julgamento dos Embargos de Declaração do Tema 69, em 2021.
Tratando de uma breve linha temporal, em 2017, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão de mérito no RE 574.706 (Tema nº 69) fixando a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”. Quatro anos depois, em agosto de 2021, a mesma Corte julgou os Embargos de Declaração opostos contra o acórdão paradigma, oportunidade na qual: (i) estabeleceu-se que o ICMS destacado nas notas fiscais deveria ser excluído da base de cálculo das contribuições; bem como, (ii) modulou os efeitos temporais da decisão para 15/03/2017, ressalvadas as ações judiciais e os procedimentos administrativos protocolados até então.
Diante deste lapso temporal de 4 anos entre os julgamentos, diversas ações judiciais ajuizadas após 15/03/2017 tiveram o seu trânsito em julgado antes da apreciação dos Embargos de Declaração do Tema 69. Isso fez com que, para estes casos, a União ajuizasse ações rescisórias com o intuito de aplicar a modulação de efeitos e limitar o proveito econômico obtido pelos contribuintes.
Os Tribunais de 2ª instância vêm sinalizando, na maioria das decisões, o cabimento e provimento destas ações rescisórias. Todavia, com a devida vênia, este não nos parece ser o correto entendimento sobre o tema, principalmente quando confrontamos a discussão com a Súmula nº 343/STF e Tema nº 136 da Repercussão Geral.
Em relação à Sumula nº 343/STF, este verbete nos diz que “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. E aqui, a expressão “controvertida nos tribunais” foi esclarecida pelo STF no RE 590.809/RS, e pelo STJ na AR 4.443/RS, como ausência de controle concentrado de constitucionalidade.
Em outras palavras, o afastamento da Súmula nº 343/STF – e cabimento da ação rescisória -, só seria possível se o STF proferisse uma decisão em controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC, ADO e ADPF) conflitante com a coisa julgada individual.
Considerando que o RE 574.706 (Tema 69) foi julgado sob a sistemática do controle difuso de constitucionalidade, o não cabimento de ações rescisórias ajuizadas pela União demonstraria o entendimento mais correto a ser adotado sobre o tema, observando o teor da Súmula nº 343/STF, ainda vigente em nosso ordenamento jurídico.
O STJ vem seguindo este raciocínio. Quando teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema nos Recursos Especiais nº 2058293/RS e 2060442/RS, a Corte Superior entendeu que “a questão acerca da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS somente restou pacificada com o julgamento do RE 574.706/PR, pelo Supremo Tribunal Federal, sob o regime da Repercussão Geral (controle difuso de constitucionalidade, e não concentrado), não se enquadrando na exceção prevista pelo STF a justificar o cabimento da Ação Rescisória […].”
Não bastasse o entendimento supramencionado, é necessário destacar que o Tema nº 136/STF também afasta o cabimento das ações rescisórias ajuizadas pela União. Explica-se.
Em 2014, ao julgar o RE 590.809 sob a sistemática da Repercussão Geral, o STF definiu a tese de que “não caba ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente” (Tema nº 136).
E aqui, o “entendimento firmado pelo Plenário do Supremo” – previsto na tese fixada no Tema nº 136 -, não se verifica somente após o trânsito em julgado daquele paradigma. Isso porque, nos termos dos artigos 926 e 1.040, do CPC, os Tribunais deverão observar a orientação dos Tribunais Superiores logo após a publicação do acórdão paradigma. Ou seja, o “entendimento firmado pelo Plenário do Supremo” se concretiza logo após a publicação daquela decisão.
Considerando essa tese fixada, é nítido que entre as datas de 15/03/2017 e 15/03/2021, o entendimento do Plenário do STF era no sentido de que o ICMS não deveria compor a base de cálculo do PIS e da COFINS, sem qualquer limitação temporal em função da modulação de efeitos.
Isso significa dizer que, se determinada ação individual tivesse seu trânsito em julgado anterior à data de julgamento dos Embargos de Declaração (15/03/2021), esta coisa julgada não poderia ser afetada por uma ação rescisória, uma vez que seu teor estava em harmonia com o entendimento do STF definido até então.
E é exatamente neste sentido que delineiam-se os primeiros posicionamentos do STF quanto à matéria. Com efeito, em decisão monocrática proferida no Recurso Extraordinário nº 1468946/RS, o Min. Luiz Fux julgou que “o acórdão rescindendo transitou em julgado em 25/2/2021, antes, portanto, do julgamento dos embargos de declaração no RE 574.706, que fixou a modulação temporal de efeitos relativa à aplicação da tese do Tema 69 de Repercussão Geral. É dizer, o acórdão rescindendo, à época de sua formalização, estava em harmonia com o entendimento do Plenário desta Corte relativo ao referido tema de repercussão geral, o que inviabiliza sua rescisão.”
Em suma, diante das orientações acima, concluímos que a coisa julgada é uma garantia fundamental e cláusula pétrea constitucional, que possui fundamento na segurança jurídica e na confiança dos contribuintes junto ao Poder Judiciário. Isso significa dizer que as decisões definitivas somente deverão ser rescindidas em ocasiões excepcionalíssimas, sob pena de se “banalizar” o instituto da ação rescisória.
Conforme conceituado por Marco Antonio Rodrigues[1], a ação rescisória é uma ação autônoma que busca desconstituir coisa julgada por razões de invalidade ou justiça. Ou seja, o seu papel não é aplicar o atual entendimento do STF para todo e qualquer processo encerrado.
A discussão envolvendo a tese do século segue gerando debates no poder judiciário. Recentemente, o STJ afetou para julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos o Recurso Especial nº 2066696/RS, onde a 1ª Seção se debruçará sobre “a admissibilidade da ação rescisória para adequar julgado à modulação de efeitos estabelecida no Tema nº 69 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal”, determinando a suspensão de todos os processos que tratam desta matéria.
Na expectativa de que este será o capítulo final desta novela, continuemos acompanhando cada episódio com a confiança – e expectativa – de que, ao final, prevalecerá, a garantia dos contribuintes.
[1] Rodrigues, Marco Antonio Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. Pág. 350
Por Augusto Chimborski e Luiza França Pecis