Por Matheus André Ribeiro and Rafael Pilch de Matos
A Reforma Tributária brasileira surge com a promessa de simplificação do sistema de arrecadação, redução da burocracia e maior transparência na cobrança de tributos, objetivos que se conectam ao estímulo a novos investimentos, à geração de empregos e ao fortalecimento da competitividade do país no cenário global.
A substituição de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS por um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, estruturado na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados e municípios, representa não apenas uma mudança fiscal, mas uma transformação estrutural com reflexos profundos no ambiente negocial.
Os contratos firmados sob a lógica do sistema tributário atual carregam, em sua essência, as complexidades, distorções e especificidades que caracterizam a tributação brasileira. Com a transição para um modelo mais próximo de um IVA, a forma como custos são repassados, margens de lucro são projetadas e riscos são distribuídos entre as partes passa a demandar reavaliação cuidadosa. Cláusulas que estipulam preços fixos, fórmulas de reajuste ou critérios de remuneração atrelados à receita bruta podem se mostrar inadequadas ou gerar desequilíbrios econômicos, especialmente em contratos de longa duração. Nesse cenário, o instituto da revisão contratual, sustentado pela teoria da imprevisão e pelo princípio da boa-fé objetiva, ganha relevo como instrumento de preservação do equilíbrio das avenças.
As áreas mais sensíveis tendem a ser aquelas em que a tributação incide de forma mais direta sobre o fluxo econômico das partes. Nos contratos de fornecimento e distribuição, por exemplo, a simplificação da cadeia de créditos e débitos promete eliminar distorções cumulativas, mas ao mesmo tempo exige a redefinição da precificação e pode alterar significativamente a margem dos distribuidores. Nas franquias, por sua vez, a nova forma de cálculo da tributação sobre royalties e taxas periódicas pode afetar tanto franqueadores quanto franqueados, repercutindo no modelo de expansão das redes. Já nos contratos de construção e infraestrutura, cuja execução se projeta por vários anos, o risco é ainda maior: eventuais alterações na carga tributária ao longo do tempo podem comprometer a viabilidade econômica de empreendimentos inteiros, exigindo renegociações periódicas e aditivos contratuais.
E esse cenário é agravado pelo fato de, até o presente momento, não se tem a precisão do percentual das alíquotas do IVA-dual, situação que dificulta a mensuração do impacto da reforma tributária na atividade empresarial e o planejamento estratégico dos contribuintes para os próximos anos.
Diante dessa realidade, ganha destaque a importância de cláusulas adaptativas, desenhadas justamente para lidar com cenários de incerteza. A inclusão de disposições conhecidas como “cláusulas de adaptabilidade fiscal” — que permitem renegociar preços e condições em caso de mudanças relevantes na legislação tributária — tende a se tornar prática recomendável. De igual modo, mecanismos de solução de conflitos, como a arbitragem especializada em questões tributárias (vide, por exemplo, o PL 124/22, pendente de análise pelo Senado Federal), podem conferir maior agilidade e segurança jurídica às partes, evitando litígios prolongados. A cooperação entre contratantes, com deveres expressos de transparência e compartilhamento de informações fiscais, também surge como ferramenta de mitigação de riscos e de fortalecimento da confiança mútua.
A adaptação, contudo, não se restringe a ajustes pontuais. O movimento exigirá das empresas uma verdadeira reestruturação de seus processos internos. Auditorias preventivas em contratos já existentes se tornam indispensáveis para identificar quais avenças estão mais expostas às alterações fiscais. Nesse ponto, equipes jurídicas e financeiras precisarão ser capacitadas para interpretar e aplicar corretamente as novas regras, demandando uma atuação integrada com áreas de contabilidade e compliance. Além disso, será essencial manter monitoramento constante das normas complementares que regulamentarão a reforma, bem como da jurisprudência que, inevitavelmente, surgirá para preencher lacunas e dirimir controvérsias.
Nesse processo de transição, a boa-fé objetiva e a função social do contrato assumem protagonismo. Não basta que cada parte busque proteger isoladamente seus interesses: será necessário adotar uma postura colaborativa, que preserve a continuidade das relações empresariais e assegure estabilidade ao ambiente de negócios. A reforma tributária, embora traga consigo promessas de simplificação e racionalidade, gera incertezas típicas de uma mudança dessa magnitude. Transformar essas incertezas em oportunidade depende da capacidade das empresas de revisar, renegociar e redesenhar seus contratos de modo flexível e estratégico.
Assim, pode-se afirmar que o impacto da reforma tributária nos contratos empresariais vai além da adaptação técnica a novas alíquotas ou fórmulas de cálculo. Trata-se de repensar o papel do contrato como instrumento dinâmico, capaz de absorver transformações legislativas e preservar o equilíbrio econômico das partes em meio a um cenário de mudança estrutural. O desafio está posto: alinhar segurança jurídica com capacidade adaptativa, para que os contratos continuem sendo motores de desenvolvimento econômico em um país que busca, com a reforma, maior eficiência e previsibilidade em sua tributação.
A equipe do Marins Bertoldi Advogados acompanha de perto os impactos da Reforma Tributária e se coloca à disposição para auxiliar empresas na avaliação de riscos, revisão de contratos e definição de estratégias alinhadas à nova realidade fiscal.



