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Pactos Antenupciais em Debate: Desafios na Renúncia Prévia à Herança

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Publicado em: 21 maio 2025

Por Maria Antônia Ramires

Insights 

A cláusula de renúncia prévia de herança em pactos antenupciais tem gerado intenso debate no direito brasileiro e ainda não possui um consenso definitivo. Trata-se de um dispositivo inserido nesses pactos, pelo qual um dos cônjuges ou companheiros declara, antes do casamento ou da união estável, que abrirá mão do seu direito à sucessão hereditária sobre os bens deixados pelo outro no futuro. 

Esse mecanismo é utilizado, por exemplo, para evitar conflitos patrimoniais, preservar determinados bens para filhos de uniões anteriores ou alinhar o planejamento sucessório entre casais que desejam maior autonomia na divisão de seus bens. 

A controvérsia decorre da interpretação do Código Civil, que veda contratos sobre a herança de pessoa viva, mas, ao mesmo tempo, suscita o debate sobre a possibilidade de flexibilização das regras sucessórias dentro da autonomia privada dos indivíduos. 

Argumentos contra a validade da cláusula 

A corrente mais tradicional e majoritária da doutrina sustenta que os direitos sucessórios só surgem com o falecimento do titular dos bens, o que impediria qualquer disposição antecipada sobre herança. Ou seja, a cláusula de renúncia seria nula, pois, enquanto o cônjuge estiver vivo, o renunciante não pode ser considerado herdeiro, visto que a herança ainda não existe, tornando o acordo juridicamente impossível. 

Além disso, juristas como José Fernando Simão e Francisco Cavalcanti Ponte de Miranda reforçam essa interpretação ao afirmar que o Código Civil de 2002, ao vedar contratos sobre a herança de pessoa viva (art. 426), proíbe qualquer forma de disposição sucessória antecipada, incluindo a renúncia prévia à herança. Dessa forma, qualquer cláusula que tente afastar o direito sucessório do cônjuge seria considerada inválida. 

A jurisprudência também reflete esse entendimento. Recentemente, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) anulou uma cláusula de renúncia prévia à herança inserida em um pacto antenupcial, fundamentando sua decisão na ordem de vocação hereditária e na vedação legal à disposição sucessória antecipada. 

Argumentos a favor da validade da cláusula 

Por outro lado, os defensores da cláusula de renúncia prévia fundamentam sua posição na ideia de que o artigo 426 apenas impede que se contrate sobre a herança de pessoa viva, mas não veda a renúncia ao direito concorrencial do cônjuge ou companheiro na sucessão. Essa visão vem ganhando força na doutrina contemporânea, sendo defendida por juristas como Mário Luiz Delgado, que afirma que a renúncia ao direito concorrencial na hipótese de concorrência com descendentes ou ascendentes não viola o princípio da intangibilidade da legítima. 

Outro fator que reforça essa posição é a evolução das normas cartoriais. Algumas Corregedorias Gerais da Justiça, como a do Estado do Rio de Janeiro, já admitem a inclusão dessa cláusula nos pactos antenupciais, desde que as partes sejam devidamente alertadas sobre sua controvérsia e o impacto futuro na sucessão patrimonial. No Paraná, não existe norma que permita ou proíba a inclusão da cláusula em pactos antenupciais, sendo a permissão do registro delegada a cada registro civil.  

Perspectiva futura 

Diante dessa dualidade de interpretações, a questão segue sem um consenso definitivo. Enquanto a doutrina e alguns cartórios começam a flexibilizar essa regra, a jurisprudência tem aplicado rigidamente as vedações do Código Civil. 

O projeto de reforma do Código Civil propõe uma atualização do artigo 426, incluindo a possibilidade de renúncia recíproca à herança, ou condicionada à sobrevivência ou não de parentes sucessíveis de qualquer classe. Além disso, o mesmo projeto prevê a exclusão do cônjuge como herdeiro necessário, o que contribuiria para maior liberdade de escolha do casal na administração de seu patrimônio. 

No entanto, a reforma do Código Civil ainda está em fase de análise no Senado Federal, podendo sofrer alterações ao longo do processo legislativo. Assim, não há garantia de que tais previsões estarão na versão final da reforma. 

Em suma, o futuro dessa discussão dependerá de dois fatores principais: 

  • Reforma legislativa – Caso haja pressão para ampliar a autonomia dos indivíduos na definição de suas relações patrimoniais, o Código Civil pode ser ajustado para permitir expressamente a renúncia prévia à herança. 
  • Consolidação jurisprudencial – O posicionamento dos tribunais superiores em casos futuros poderá solidificar ou flexibilizar o entendimento sobre a validade dessa cláusula. 

Até lá, essa cláusula permanece uma zona cinzenta no direito sucessório, exigindo cautela na sua aplicação e avaliação caso a caso. 

Referências:  

SIMÃO, José Fernando. Análise das regras do contrato de sociedade quando da morte dos sócios e a vedação da existência de pacto sucessório. Revista IMES, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 34-48, jan./jun. 2005. 

PONTE DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. v. LV, p. 244-245. 

DELGADO, Mário Luiz. Direito fundamental de herança: sob a ótica do titular do patrimônio. 1. ed. Indaiatuba, SP: Foco, 2023. E-book. Disponível em: <https://plataforma.bvirtual.com.br>. Acesso em: 13 mar. 2025. 

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação cível 1000348-35.2024.8.26.0236. Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, São Paulo, 2024. 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Apelação cível 0000456-21.2023.8.16.0131. TJPR – 17ª Câmara Cível, Pato Branco. Relator: Desembargador Francisco Cardozo Oliveira. Julgado em 11 mar. 2024. 

BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do Código Civil – Comissão de Juristas 2023/2024. Brasília, 2024. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/assessoria-de-imprensa/arquivos/anteprojeto-codigo-civil-comissao-de-juristas-2023_2024.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2025. 

TARTUCE, Flávio. Norma da Corregedoria Geral e a escritura pública de união estável. Migalhas – Coluna Família e Sucessões, 28 fev. 2023. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/382055/norma-da-corregedoria-geral-e-a-escritura-publica-de-uniao-estavel>. Acesso em: 13 mar. 2025. 

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