Por Eduardo Cramer Ono
Refletir sobre o destino dos bens após o falecimento é, por vezes, uma tarefa delicada. Porém, o planejamento sucessório é essencial para evitar disputas familiares, garantir a observância das vontades do atual proprietário, reduzir burocracias e assegurar a continuidade patrimonial.
Nesse contexto, ao lado de instrumentos tradicionais como o testamento, a doação com reserva de usufruto e a partilha em vida, o direito de superfície desponta como uma alternativa eficaz e pouco explorada no planejamento sucessório.
Regulamentado pelo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), o direito de superfície permite que o proprietário de um imóvel conceda a outrem (denominado superficiário), a título gratuito ou oneroso, o direito de construir ou plantar sobre o imóvel por prazo determinado.
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que também regulamenta o instituto, vai além, autorizando o uso não apenas do solo, mas também do subsolo e do espaço aéreo relativo ao terreno, inclusive por prazo indeterminado (o que não significa que o direito de superfície poderá ter caráter de perpetuidade).
A sua instituição é relativamente simples: basta que o proprietário e o superficiário celebrem escritura pública e a registrem no cartório de registro de imóveis competente. Esse documento deve conter o preço e o modo de pagamento (se a concessão for onerosa), o prazo de duração (se estipulado) e a finalidade atribuída ao imóvel (se definida pelas partes).
Igualmente, a extinção do direito de superfície é simples, podendo ocorrer, por exemplo, com o término do prazo estipulado ou pela inobservância das obrigações pactuadas.
No âmbito sucessório, o direito de superfície pode ser utilizado estrategicamente para delegar a administração do imóvel a quem o proprietário considerar mais capacitado, porém, sem lhe transferir a titularidade. Isto pode ser útil para gerar renda aos herdeiros, por meio de contraprestações pagas pelo superficiário ou da participação nos frutos naturais ou civis decorrentes do uso do imóvel; preservar e até ampliar o patrimônio, permitindo que construções ou plantações realizadas pelo superficiário revertam aos herdeiros, sem necessidade de indenização ao superficiário (salvo disposição contrária no ato de instituição).
Inclusive, parcela da doutrina admite a possibilidade de instituição do direito de superfície por meio de testamento, ampliando sua utilidade no planejamento sucessório.
Para exemplificar a utilização do instituto, imagine que um proprietário de um terreno rural não mais possua interesse em administrar sua lavoura, desinteresse este que é compartilhado por seus herdeiros. Nesse caso, o proprietário poderia instituir o direito de superfície em favor de algum funcionário de sua confiança, que promoveria a administração da lavoura, pagando ao proprietário ou a seus herdeiros uma contraprestação pela utilização do imóvel, de modo similar a um arrendamento, porém, alçado à estatura de um direito real, público e oponível a terceiros. Não apenas isso, a depender do que estivesse estipulado contratualmente, o proprietário ou seus herdeiros poderiam adquirir as construções e/ou as plantações promovidas quando da extinção do direito de superfície, sem necessariamente indenizar o superficiário.
Em que pese o direito de superfície, em uma análise superficial, possa se assemelhar à locação e ao arrendamento, tais institutos não podem ser confundidos, especialmente porque o direito de superfície não se sujeita às regras para o despejo, não admite a propositura de ação renovatória e permite a fixação do preço em moeda, o que é vedado no arrendamento de imóveis rurais, por exemplo.
Portanto, o direito de superfície, embora ainda pouco explorado no âmbito do planejamento sucessório, revela-se como uma alternativa eficaz e flexível para assegurar a continuidade patrimonial. Ao lado de outros instrumentos jurídicos, pode ser estrategicamente utilizado para atender às vontades do titular, facilitar a gestão dos bens e evitar conflitos entre herdeiros.


