A leitura de certos autores que tratam da teoria geral dos contratos gera a impressão de que tudo é relativo. De que, como já tive a oportunidade de ouvir, as cláusulas ajustadas seriam “meros indícios quanto à efetiva vontade das partes” que poderiam ser amplamente revistos pelo Poder Judiciário para que o “equilíbrio contratual” pudesse ser restabelecido.
Mas, quando pesquisamos o comportamento dos tribunais, percebemos que a realidade é diversa da pretendida por esta linha de doutrinadores. São comuns os entendimentos jurisprudenciais no sentido de que, sem a efetiva demonstração de um vício de vontade, ou de outra hipótese de nulidade contratual, não caberia ao julgador rever o ajustado entre as partes.
Fora do âmbito dos contratos bancários, as ações revisionais costumam ancorar-se na alegação de ocorrência de vício de vontade, especialmente em relação ao preço. Alega-se, usualmente, que o valor ajustado foi superior ou inferior ao que seria justo. Tais alegações, contudo, não têm sido acolhidas pelos julgadores.
No ano de 2009, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná julgou 53 recurso de apelação em que se pretendeu a revisão do preço em contratos de compra e venda. Em apenas um caso autorizou a revisão do preço, por se considerar abusiva a obrigação de pagamento de 144 parcelas na aquisição de um imóvel. Caracterizou-se uma relação de consumo, assim como a abusividade no preço e a dificuldade de compreensão da obrigação assumida, em razão dos muitos encargos vinculados.
Em todos os demais casos, repetiu-se o entendimento no sentido de que não cabe ao Judiciário interferir na cláusula contratual essencial que é a relativa à formação do preço, especialmente em atenção à construção de um ambiente de segurança jurídica.
Para que fique claramente demonstrado este comportamento de nosso Tribunal de Justiça, transcrevo relevantes passagens de algumas decisões:
a) “Uma vez assentado em consentimento mútuo entre as partes, estipulado o objeto contratual e o preço, o negócio se aperfeiçoa validamente, máxime ante o princípio da autonomia da vontade, onde os contratantes têm ampla liberdade para contratar as obrigações e deveres mútuos, que só podem ser invalidados por vícios insanáveis.” (17.ª Câm. Cív., ac 523.323-6, Rel. Des. Stewalt Camargo Filho, j. 27/5/2009)
b) “Ação de revisão contratual. Pretensão de revisão do preço sob o argumento de desproporção entre o preço pactuado e o valor de mercado. Circunstância que não autoriza, por si só, a revisão do contrato. Prevalência da liberdade de contratação nas relações jurídicas. Não caracterização de qualquer vício de vontade que possa macular o contrato celebrado.” (6.ª Câm. Cív., ac 573.363-5, Rel. Des. Ana Lúcia Lourenço, j. 19/5/2009)
c) “O preço do bem imóvel, livremente pactuado pelas partes, sem a presença de qualquer vício de consentimento, albergado pelo princípio do pacta sunt servanda, faz lei entre as partes, não podendo ser alterado por vontade unilateral de um dos contratantes.” (7.ª Câm. Cív., ac 565.844-0, Rel. Des. Ruy Francisco Thomaz, j. 5/5/2009)
d) “O preço, nos contratos de compra e venda, é resultado de convenção entre as partes e não pode ser objeto de intervenção do Judiciário.” (6.ª Câm. Cív., ac 564.071-3, Rel. Des. Prestes Mattar, j. 28/4/2009)
e) “Não há justificativa para revisão de cláusula contratual que estipula preço da coisa, elemento essencial da avença, em nome da segurança das relações jurídicas.” (18.ª Câm. Cív., ac 504.466-4, Rel. Des. Luis Espíndola, j. 14/1/2009)
Ao assim julgar, o Tribunal de Justiça do Paraná abandona as simplificações tão comuns quanto à forma de aplicação dos princípios contratuais contemporâneos. E assim permite a formação de um ambiente com maior segurança jurídica, fator essencial ao desenvolvimento econômico do país.
Para além do fator econômico, cumpre destacar a correção dos fundamentos jurídicos utilizados em tais julgados. Parte-se de premissa de que o preço é elemento central do negócio, mostrando-se de fácil compreensão de análise direta. Não haveria se cogitar, assim, de uma compreensão incompleta na realização do negócio. Objeto e preço são claramente definidos. Se há vício quanto ao objeto, encontra-se no direito civil uma série de princípios e postulados que permitem a recomposição dos danos. Mas, não demonstrado vício no objeto, a simples pretensão de revisão do preço toma a forma de arrependimento. E o fato do arrependimento não pode dar ensejo à revisão dos contratos, sob pena de estes nada valerem.
Ou seja: cabe à parte demonstrar efetivamente um vício de vontade que vá além do arrependimento. Contudo, a eventual demonstração de vício de vontade não levaria à revisão do preço ajustado, mas sim à anulação do contrato. Não haveria, assim, possibilidade lógica e jurídica de se impor o pagamento de um preço adicional, não contratado, à outra parte.
Em suma: se não há vício, mas simples arrependimento, inexiste fundamento jurídico para a revisão de contratos no tocante ao preço, elemento essencial do contrato a respeito do qual evidentemente houve expresso assentimento das partes. Elemento central da lide na grande maioria das ações de revisão de contratos firmados entre particulares.
Se se autorizasse a revisão dos contratos com a amplitude pretendida por parte da doutrina, haveria uma elevação de riscos tão significativa que muitos negócios jurídicos simplesmente deixariam de ser feitos, em razão de uma elevação dos custos de transação inviável a uma ou a ambas as partes.
Mesmo que o princípio da pacta sunt servanda não tenha aplicação absoluta, e ainda que todas as justas homenagens sejam prestadas aos princípios da função social e da boa-fé objetiva, os cidadãos devem ter o respaldo do Judiciário para que seja criado um ambiente de segurança quanto ao cumprimento das obrigações. E o Tribunal de Justiça paranaense caminha bem neste campo.