Por Matheus André Ribeiro e Rafael Pilch de Matos
A discussão sobre a legalidade da cobrança do Diferencial de Alíquota (DIFAL) do ICMS, devida por destinatários contribuintes do imposto antes da edição da Lei Complementar (LC) n. 190/2022, ganhou novo fôlego no cenário jurídico-tributário nacional. Após anos de incertezas e embates entre contribuintes e Fiscos estaduais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) qualificou os REsp. 2.133.933/DF e 2.025.997/DF como representativos da controvérsia, que agora será dirimida através do Tema Repetitivo n. 1.369, pautado para julgamento no dia 10/12/2025.
A controvérsia surgiu a partir da Emenda Constitucional (EC) n. 87/2015, que alterou o regime do DIFAL, ao instituir a partilha do imposto entre o estado de origem e o de destino conforme hoje aplicada, bem como a responsabilidade do recolhimento do DIFAL nas operações com destinatários contribuintes ou não do imposto.
No entanto, após a promulgação da mencionada EC 87/2015, o Congresso Nacional não editou lei complementar que regulasse a matéria a nível nacional. Em resposta a essa lacuna legislativa, os estados, por meio do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), editaram o Convênio ICMS n. 93/2015, disciplinando a cobrança do DIFAL nos casos de operações com destinatários não contribuintes.
Nos casos de operações com consumidores contribuintes do imposto, a cobrança mantida pelos estados se deu com base no entendimento de que a LC n. 87/1996 (Lei Kandir) já fornecia respaldo suficiente para a cobrança do DIFAL nessas situações. A partir do entendimento estatal, a EC 87/2015 apenas redistribuiu a receita do imposto, sem “criar” um novo tributo, sendo desnecessária a edição de nova lei complementar.
Essa situação, entretanto, foi imediatamente questionada por contribuintes, que argumentaram que convênios não têm força normativa para suprir a exigência do artigo 146 da Constituição Federal, que reserva à lei complementar a competência para dispor sobre normas gerais de direito tributário. Ainda, nos casos de consumidores contribuintes do imposto, defende-se que, com a EC 87/2015, houve modificação substancial na forma de incidência do ICMS, o que exigiria uma nova regulação por lei complementar, já que não há tal previsão na Lei Kandir.
Durante os anos seguintes, a cobrança foi realizada com base nas referidas premissas estatais, sem a existência de lei complementar específica. Somente em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve oportunidade de se manifestar sobre a matéria, ao julgar o Tema 1.093 de Repercussão Geral. Naquela ocasião, ao avaliar operações com consumidores não contribuintes, a Corte entendeu que a cobrança do DIFAL pela sistemática instituída pela EC 87/2015 pressupunha a edição de lei complementar.
Em decorrência de tal julgamento, somente em 2022 foi publicada a Lei Complementar n. 190, que regulou a matéria em âmbito nacional. Mesmo assim, permaneceu a dúvida: a cobrança do DIFAL sobre operações com destinatários contribuintes do imposto antes de sua vigência é legítima?
Sob o ponto de vista jurisprudencial, recentemente, no Tema 1.331, o STF afastou a repercussão geral da controvérsia, reconhecendo que a discussão sobre a existência de base legal para o DIFAL nas operações com destinatários contribuintes do imposto antes da LC 190/2022 é de natureza infraconstitucional — ou seja, deve ser resolvida à luz da legislação federal.
Com isso, a responsabilidade pela pacificação do tema foi transferida ao STJ, que definirá o tema em 10/12/2025 por meio dos dois recursos especiais (REsp. 2.133.933/DF e REsp. 2.025.997/DF) representativos da controvérsia.
Ao decidir a questão, o STJ terá que responder se a redação original da Lei Kandir, antes das alterações decorrentes da LC 190/2022, dava suporte jurídico para que os estados exigissem o DIFAL nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais contribuintes. A resposta terá impacto significativo em milhares de ações judiciais, além de possíveis pedidos de repetição de indébito por parte de contribuintes que recolheram o tributo com base em normas estaduais que podem ser consideradas ilegais.
Dado o impacto financeiro dessa discussão, torna-se relevante que os contribuintes que recolheram o DIFAL na qualidade de consumidores finais até o início da vigência da LC 190/2022, busquem o Poder Judiciário para preservarem o direito à possível repetição do indébito tributário, especialmente diante da possibilidade de o STJ, caso julgue em favor dos contribuintes, aplicar a modulação de efeitos da tese, limitando a recuperação do ICMS apenas aos contribuintes com ações judiciais ajuizadas até o início do julgamento dos recursos representativos da controvérsia. O Núcleo de Direito Tributário do Marins Bertoldi Advogados acompanha atentamente os desdobramentos dessa controvérsia e permanece à disposição para esclarecer dúvidas, orientar estratégias e assessorar empresas quanto aos impactos jurídicos e financeiros relacionados à cobrança do DIFAL.



