Dentre todas as tecnologias utilizadas no agronegócio, o desenvolvimento de cultivares mais eficientes e produtivas é, com certeza, um dos principais objetivos do inovador movimento agrícola.
Cultivares são, basicamente, plantas cultivadas, geneticamente modificadas ou não, as quais foram enriquecidas em suas propriedades e qualidades, cujos atributos e melhorias se fixam de modo estável, uniforme e permanente ao decorrer de várias gerações, o que dá a ela uma qualificação própria e, principalmente, direito à propriedade daquela nova planta e proteção intelectual por lei.
A pessoa que obteve novas qualidades a cultivar que a diferencia das demais, ou melhorista, como definido em lei, possui direitos de propriedade intelectual sobre esta nova cultivar, regidos pela Lei 9.456/97, ou Lei de Proteção às Cultivares, e comprovados por meio de um Certificado de Proteção de Cultivar.
Isso significa que, por ter a propriedade intelectual daquela planta, o melhorista pode elaborar um modelo de negócio em cima do seu produto e comercializar, exclusivamente ou por licenças de transferência de tecnologia, a planta ou suas sementes que serão utilizadas pelos produtores no campo.
Por mais que a propriedade intelectual das cultivares seja garantida por lei, a sua proteção é sui generis, ou de seu próprio gênero, devido as características especificas da planta ou do vegetal e do contexto social agrário que estão inseridos, o qual se diferencia dos demais ramos da propriedade intelectual, não podendo, em regra, ser objeto de patente.
Sendo assim, diferente do regime de patentes, ao qual é exigido vultuosos valores para manejar o produto patenteado a título de royalties, os produtores rurais possuem algumas garantias “extras” ao manejar uma cultivar protegida, podendo, por exemplo, reservar e plantar as sementes da cultivar para uso próprio, e sendo pequeno produtor rural, a possibilidade de multiplicar as sementes, para doação ou troca, exclusivamente com outros produtores rurais.
Mais que isso, a cultivar protegida poderá também ser utilizada com fonte e objeto de pesquisas de variação e de melhoramento genético por instituições de ensino ou laboratórios, sem que isso signifique uma obrigação de pagar royalties ao detentor do Certificado de Proteção de Cultivares.
Entretanto, tal panorama mudou quando falamos de cultivares transgênicas ou geneticamente modificadas.
Ao julgar o REsp 1610728/RS em Incidente de Assunção de Competência, criando um precedente vinculante, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou, por maioria, o entendimento de a cultivar transgênica denominada “Soja Roundup Ready” poderia ser protegida tanto pela Lei de Proteção às Cultivares quanto o seu processo de produção poderia ser protegido por meio de patente, regida pela regulamentação da propriedade industrial da Lei 9.279/96.
Por mais que exista uma diferença técnica entre os âmbitos de proteção cumulados, de modo que existe a proteção destinada a cultivar em si e, em outra esfera, a proteção por patente do seu processo de produção, a consequência é única: uma mesma cultivar foi protegida pela Lei de Proteção de Cultivares e também por patente, se sujeitando aos direitos e obrigações de ambas as leis, configurando o que chamamos de “dupla proteção”.
Mas, quais são os efeitos práticos desta dupla proteção?
Pela patente, qualquer pessoa que queira utilizar a semente da Soja Roundup Ready, seja para plantio, reprodução, colheita da safra, pesquisa em laboratório etc., deverá pagar royalties para a empresa Monsanto, pertencente ao grupo Bayer, o que não aconteceria caso a cultivar de soja fosse protegida apenas pelo Certificado de Proteção de Cultivar.
Exclusivamente pela patente, os agricultores, pequenos produtores rurais e pesquisadores da área se quer terão a possibilidade de utilizar tal cultivar para reprodução, reserva, plantio ou pesquisa sem que isso gere a obrigação de pagar royalties à companhia Monsanto.
Observa-se um claro descompasso econômico gerado pela decisão do STJ, tendo em vista que a patente do processo de produção da cultivar de Soja Roundup Ready, cumulada com a proteção garantia pela Lei de Proteção às Cultivares, significa um incremento econômico à empresa Monsanto e à Bayer, grandes playres da indústria biotecnológica, enquanto se traduz a um gasto a mais ao agricultor, cooperativas e toda cadeia produtiva do agronegócio.
Inclusive, isto foi asseverado pela Ministra Nancy Andrighi em seu voto: “nada impedia que os agricultores […] empregassem a soja convencional em seus plantios, sem o custo relacionado a royalties ou taxa tecnológica; mas, a partir do momento em que optaram pelo cultivo de sementes modificadas por meio de invenção patenteada, inafastável o dever de contraprestação pela tecnologia utilizada”.
A concessão de patentes aptas a proteger o processo de produção de cultivares transgênicas pode significar um fomento enorme à indústria biológica destinada a tais projetos, o que também pode significar um avanço na produtividade do agronegócio, seguido também da redução dos custos de produção a todos, mesmo com a exigência de se pagar montantes vultuosos em royalties.
Por outro lado, a dupla proteção, tanto por patentes quanto pela lei específica que protege as cultivares também enseja a extinção de alguns direitos anteriormente garantidos aos agricultores, dando lugar a uma obrigação nova de pagar royalties, o que pode significar um aumento imediato nos custos do plantio, ou, caso o produtor opte por não pagar as taxas à Monsanto, a utilização de cultivares e sementes defasadas, prejudicando a concorrência no campo.
Em litígios que envolvam a discussão da possibilidade ou não de dupla proteção a determinada cultivar, a análise fática da técnica utilizada para a produção da variedade vegetal é essencial, a verificar a sua patenteabilidade e, consequentemente, o advento da obrigação de pagar royalties pela sua utilização, diante do precedente aberto pelo STJ.
É indispensável, portanto, o assessoramento jurídico qualificado, com conhecimento da temática e personalizado para que seja prestado o melhor atendimento aos interesses de nossos clientes.