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Sociedades Cooperativas com a Reforma Tributária 

Publicado em: 04 ago 2025

Por Gabriel Taison Campanholo e Nicolle Francine Bigochinski Lima 

Sociedades Cooperativas  

As cooperativas são estruturadas como sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, caracterizadas pela gestão democrática, participação econômica dos associados e ausência de finalidade lucrativa, tendo como objetivo principal o fornecimento de bens ou serviços aos próprios cooperados, buscando sua satisfação econômica ou social. Segundo a Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, o cooperativismo está presente em diversos setores da economia, como o agronegócio, a saúde, os serviços financeiros, a educação, a geração de energia, o transporte, o consumo, o turismo, entre outros. 

No Brasil, o cooperativismo promove uma importante inclusão econômica e social e, por isso, possui características próprias que precisam ser consideradas. Desta forma, com a promulgação da Lei Complementar 214/2025 que regulamentou a reforma tributária, o ordenamento jurídico apreciou regulamentações específicas que podem ser aplicadas a todos os ramos deste importante setor. Essas regulamentações possuem um potencial de aplicação abrangente a todos os ramos do cooperativismo, com o objetivo de conferir maior segurança jurídica, transparência e coerência fiscal ao setor. 

Ato Cooperativo  

No cenário atual, o ato cooperativo possui uma ampla discussão sobre a definição de seu conceito, sendo definido pela Lei n. 5.764 de 16 de dezembro de 1971 como aquele praticado entre a cooperativa e seus associados, entre os associados e a cooperativa, e pelas cooperativas associadas entre si, visando a consecução dos objetivos sociais da cooperativa.  

Além disso, essa discussão do Ato cooperativo possui uma separação entre atos cooperativos Típicos e Atípicos. Os atos típicos são aquelas operações realizadas entre a cooperativa e seus membros, ou entre os próprios membros da sociedade, visando atender às necessidades e objetivos comuns da cooperativa. Os atos atípicos geralmente são realizados pela cooperativa podendo envolver terceiros não membros ou atividades que não se relacionam diretamente com o objeto social da cooperativa. Esta distinção entre ato cooperativo típico e atípico é crucial para definir o tratamento tributário a ser aplicado à cooperativa, pois enquanto os atos típicos, na expressão do art. 79 da Lei n. 5.764/1971, estão isentos de tributação, os atos atípicos geralmente sujeitam-se ao pagamento de tributos, conforme determinação do art. 87 da mesma Lei. 

A Lei Complementar n. 214/2025, em seu art. 271, com o objetivo de alinhar-se à legislação específica e à Constituição, introduziu um regime específico de tributação para as cooperativas com relação ao IBS e CBS, reduzindo a zero as alíquotas destes tributos em operações em que o associado fornece bens ou serviços à cooperativa, ou em operações em que a cooperativa fornece bens ou serviços à associados sujeitos ao regime regular do IBS e da CBS, ou seja, concedendo o entendimento de ato cooperativo típico entre essas operações. 

Cumpre destacar, contudo, que a definição mais precisa das características e da extensão do conceito de ato cooperativo, apto a receber o tratamento tributário diferenciado previsto na Constituição Federal e agora também na Lei Complementar n. 214/2025, ainda aguarda pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal, no âmbito dos Temas n. 536 e n. 516 de Repercussão Geral, cujo julgamento ocorrerá em momento oportuno. 

Tributação dos produtos Agropecuários 

Embora os produtos agropecuários não sejam isentos dos tributos sob a ótica da Lei Complementar n. 214/2025, foram implementadas algumas possibilidades de alíquotas reduzidas e tratamentos diferenciados, dependendo das características da operação e do produto. O art. 138 da Lei implementa esta redução de alíquota dos produtos listados no Anexo IX da Lei Complementar. Alguns insumos que serão submetidos à esta redução de 60% da alíquota são, por exemplo, Fertilizantes e Biofertilizantes, Inseticidas, Sementes e Cereais, Farelos, e inclui também alguns serviços.  

No entanto cabe destacar que, de acordo com o §4º do art. 271 da Lei, a redução a zero das alíquotas do IBS e da CBS de que trata este artigo (ato cooperado) não se aplica ao fornecimento de bem material pela cooperativa de produção agropecuária à associado não sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, para as mercadorias sujeitas ao diferimento do §3º do art. 138. 

Além desses avanços nas reduções de alíquotas para alguns produtos específicos, produtores rurais pessoas físicas ou jurídicas, inclusive cooperativas de pequeno porte, com faturamento anual de até R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil) no ano-calendário ou formadas por produtores integrados, poderão optar por um regime em que não são contribuintes da CBS e do IBS, de acordo com o art. 164 e seguintes da Lei. 

Outro ponto importante de destaque é que o recebimento de dividendos, juros e remuneração de capital pagos pela cooperativa aos cooperados não serão tributados, pois não configuram receitas da atividade cooperativa, logo não integram a base de cálculo dos tributos sobre os bens e serviços da cooperativa. Também não sofrerão tributação, tanto a destinação, quanto a reversão de recursos pela cooperativa para os Fundos de Reserva de perdas e para o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social – FATES. 

Contudo, é importante frisar que, conforme o Art. 51 da LC 214/2025, a realização de operações imunes, isentas ou sujeitas à alíquota zero implica na anulação proporcional dos créditos fiscais relacionados às aquisições anteriores vinculadas a essas operações. 

Crédito presumido nas Cooperativas 

Ainda, com a instituição do IBS e da CBS pela Lei Complementar nº 214/2025, ficou prevista a concessão de crédito presumido em determinadas situações, o que representa um avanço importante para setores que enfrentam dificuldades na recuperação integral de créditos, como o cooperativista.  

No caso específico das cooperativas agroindustriais, o direito ao crédito presumido surge como mecanismo de equilíbrio e competitividade, especialmente em operações com produtores associados que não são contribuintes desses tributos. 

Nos termos dos artigos 164 e 168 da LC nº 214/2025, produtores rurais pessoas físicas ou jurídicas com receita anual inferior a R$ 3,6 milhões, além de produtores integrados, não serão considerados contribuintes do IBS e da CBS. Nessas hipóteses, os adquirentes de seus produtos, incluindo as cooperativas, terão direito ao crédito presumido, proporcional à produção recebida. Esse benefício será aplicável desde que os produtores tenham adquirido, ao longo do exercício, insumos sujeitos à tributação pelo IBS e pela CBS. 

Neste sentido, o § 9º do artigo 168, da mesma LC, reforça que o direito ao crédito presumido também se estende às sociedades cooperativas que recebam bens e serviços de seus associados não contribuintes, desde que não optantes pelo Simples Nacional ou que tenham aderido ao regime específico previsto no artigo 271 da norma. No entanto, a legislação veda a apropriação do crédito quando os bens forem apenas enviados para beneficiamento na cooperativa e retornarem ao associado. 

Na prática, o crédito presumido permite que as cooperativas deduzam valores estimados do imposto a pagar, reduzindo o custo tributário e simplificando a apuração. Trata-se de um instrumento estratégico para fortalecer o setor e garantir maior justiça fiscal, em especial para cadeias produtivas mais sensíveis. 

Cooperativas de Crédito 

A Reforma também impactou as cooperativas de crédito, reconhecendo suas particularidades e oferecendo regimes específicos de tributação mais adequados à sua natureza. Essas cooperativas, reguladas pela Lei Complementar nº 130/2009 e sujeitas também à legislação do Sistema Financeiro Nacional e às normas específicas das sociedades cooperativas, têm como principal finalidade a prestação de serviços financeiros aos seus associados por meio da mutualidade.  

Desta forma, as cooperativas de crédito passaram a poder escolher entre dois regimes específicos do IBS e da CBS, conforme previsto nos artigos 183, III, 271 e 272 da LC nº 214/2025. 

Um dos regimes disponíveis é o mesmo aplicável aos serviços financeiros em geral, cujas regras são similares à sistemática atual de PIS e COFINS, com base de cálculo formada pelas receitas desses serviços e deduções compatíveis com as particularidades de cada entidade. A diferença mais relevante, no entanto, é que, ao contrário do sistema anterior, esse regime assegura às cooperativas o direito ao aproveitamento de créditos de IBS e CBS nas operações com cooperados sujeitos ao regime regular de tributação.  Além disso, essa possibilidade pode ser vantajosa para tomadores de crédito não associados, que poderão se creditar dos tributos pagos na operação. 

A segunda opção é o regime previsto especificamente para as sociedades cooperativas, em que as alíquotas de IBS e CBS são reduzidas a zero nas operações realizadas entre a cooperativa e seus cooperados. Isso se aplica inclusive às operações em que a cooperativa presta serviços financeiros ou fornece bens ao associado mediante cobrança de tarifas ou comissões, sempre que este estiver no regime regular de tributação. Essa previsão reconhece a especificidade dos atos cooperativos internos e busca preservar a essência do cooperativismo, em que as relações entre cooperativa e cooperado não devem ser tratadas como operações mercantis comuns. 

Dessa forma, a nova legislação confere maior segurança jurídica e flexibilidade às cooperativas de crédito, que poderão optar pelo regime tributário mais compatível com a estrutura e dinâmica das suas atividades. 

Cooperativas de Plano de Saúde 

Já as cooperativas operadoras de planos de saúde, por sua vez, passam a ter a possibilidade de optar pelo regime específico das cooperativas cumulativamente ao regime aplicável às operadoras de planos de saúde.  

Originalmente, a proposta previa a aplicação exclusiva do regime de operadoras, mas o artigo 234 da LC nº 214/2025 ampliou esse escopo, incluindo seguradoras de saúde, administradoras de benefícios, cooperativas operadoras e de seguro saúde, bem como demais operadoras de planos de assistência à saúde. Essa ampliação visa garantir uniformidade tributária no setor de saúde suplementar, evitando distorções competitivas entre as diferentes formas de prestação desses serviços. 

No que diz respeito à base de cálculo e metodologia, o artigo 235 da mesma lei estabelece que a tributação deve incidir sobre a margem líquida, que corresponde à diferença entre as receitas e as deduções. Assim, permitindo a aplicação do regime de não cumulatividade para aquisições desvinculadas da atividade assistencial. 

Outro ponto relevante trazido pela Reforma é que a definição, pelo artigo 237, de alíquotas nacionalmente uniformes para o IBS e a CBS, reforça o caráter social da tributação sobre serviços de saúde e preserva a neutralidade tributária do setor.  

Além disso, as operadoras e seguradoras de planos de saúde têm assegurado o direito ao crédito amplo e integral sobre suas aquisições e contratações no regime geral, com exceção dos sinistros e despesas assistenciais já deduzidos da base de cálculo, conforme artigo 235. 

Por outro lado, o artigo 238 restringe o aproveitamento do crédito de IBS e CBS para os adquirentes desses planos, limitando-o às pessoas jurídicas que contratam planos de saúde para seus empregados em decorrência de acordo ou convenção coletiva de trabalho. O crédito, nesse caso, é calculado por uma fórmula que considera os valores efetivamente custeados pela empresa, excluindo as coparticipações repassadas aos funcionários, e o valor do imposto pago pela operadora. 

Portanto, diante desse cenário de mudanças, é fundamental que as sociedades cooperativas, independentemente da sua classificação, acompanhem atentamente o desenvolvimento legislativo e contem com uma assessoria especializada para assegurar conformidade e competitividade no mercado.  

Embora a Reforma tenha avançado, ainda há pontos pendentes que dependem de regulamentação. Ainda em junho de 2024, o governo encaminhou ao Congresso Nacional os projetos de lei complementar que detalharão o funcionamento da CBS e do IBS, incluindo a definição do ato cooperativo, regras de não incidência, critérios para compensação de créditos e procedimentos para apuração do novo regime. 

O time do Consultivo Tributário do Marins Bertoldi Advogados está atento a esses desdobramentos e pronto para oferecer esclarecimentos e análises aprofundadas, sempre considerando as particularidades de cada cooperativa. 

Nicolle Bigochinski

Nicolle é graduada em Direito pela Unicuritiba e possui especialização em Direito Constitucional pela Escola Superior de Advocacia Nacional.  Sua trajetória profissional iniciou em 2017, estagiando no Núcleo de Combate...
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