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Recuperação judicial de cooperativas

Publicado em: 09 Mar 2009

Paul Singer é um dos mais importantes estudiosos da economia brasileira. Neste mês, o economista (que é titular da Secretaria Nacional da Economia Solidária desde 2003) afirmou que o impacto da crise no Brasil é brutal. Tal visão, rara no ambiente propagandista do Governo Federal, veio ainda acompanhada de propostas concretas, entre as quais se destacam o controle do fluxo de capitais especulativos, a redução da alavancagem nas instituições financeiras e o desenvolvimento de estruturas de economia solidária. Neste último campo, destaca-se o incentivo à constituição de cooperativas, especialmente como forma de evitar as demissões em massa.

O incentivo ao cooperativismo não é novidade. Há décadas contamos com legislação que trata de forma privilegiada esta forma de desenvolvimento da atividade econômica. Mas quando se coteja a legislação que trata das falências e recuperações com as normas que regulam as cooperativas, percebe-se algo surpreendente: estas, dentro de uma linha de interpretação majoritária (da qual discordamos), não poderiam pedir recuperação em caso de crise financeira.

O entendimento clássico sobre a matéria vem no sentido de que a Lei 11.101/2005, que trata das falências e recuperações de empresas, somente seria aplicável aos empresários. E as cooperativas, de acordo com o Código Civil, são sociedades simples, e não empresárias, mesmo que a forma de desenvolvimento da atividade econômica organizada seja muito parecida com a dos empresários. Restaria a aplicação da lei 5.764/71. Entre outras matérias, esta lei trata da liquidação das cooperativas, afastando expressamente as regras da lei falimentar. Mas nela não há um mecanismo equivalente à recuperação.

Esta linha de interpretação é contrária à função social das leis regentes tanto da recuperação quanto das cooperativas. Se os empresários em geral têm à sua disposição o mecanismo da recuperação para que a empresa possa ser preservada durante a fase de saneamento de seu passivo, não há nenhuma razão lógica que justifique o afastamento das cooperativas deste benefício legal, especialmente a se considerar o regime jurídico protetivo que em geral é disponibilizado às cooperativas.

A incongruência desta situação jurídica levou a algumas reações oportunas. A mais importante delas é o Projeto de Lei 6.230/2005, ainda tramitando na Câmara dos Deputados, que tem por objeto a extensão do processo de recuperação às cooperativas e às sociedades simples. A aprovação deste Projeto de Lei não só traria um necessário tratamento unificado para a insolvência derivada do desenvolvimento de atividade econômica como aproximaria a legislação nacional do padrão adotado não só na Europa, mas também em outros países latino-americanos (como Argentina e Chile), que possibilitam a recuperação não só para os empresários, como também para as sociedades simples e as cooperativas.

Mas, enquanto o projeto não é aprovado, temos a firme convicção de que há argumentos de peso que permitem contornar o senso comum no sentido de que a lei de recuperação não seria aproveitável pelas cooperativas.
Para construir esta conclusão, devem ser analisados fundamentos tanto de natureza formal quanto de natureza funcional.

No plano formal, as normas que vedariam o pedido de recuperação por cooperativas seriam, principalmente, os arts. 1.º e 2.º da Lei 11.101/2005.

O art. 1.º dispõe que a lei é aplicável aos empresários e sociedades empresárias. Já o art. 2.º apresenta a seguinte redação: “Esta Lei não se aplica a: I – empresa pública e sociedade de economia mista; II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.”

Vamos partir da premissa de que não há palavras inúteis na lei. Se o art. 1.º deve ser interpretado de maneira estrita, focado no empresário tal como definido no art. 966 do Código Civil, não haveria sentido na inclusão das cooperativas de crédito na lista do art. 2.º. Afinal, se as cooperativas em geral não são sociedades empresárias, elas estariam de plano, e na forma do art. 1.º, excluídas do âmbito de aplicação da lei falimentar. Mas o art. 2.º foi expresso ao afastar de seu âmbito de incidência as cooperativas de crédito. Não as cooperativas em geral, mas apenas as cooperativas de crédito.

Uma interpretação racional desta norma viria no sentido de que as cooperativas em geral, excetuadas as de crédito, poderiam se aproveitar de normas da Lei 11.101/2005 que não colidissem com sua legislação específica (Lei 5.764/71).

Como a Lei 5.764/71 trata do processo de liquidação das cooperativas, o regime jurídico das falências não poderia ser a elas aplicado, mantendo-se a norma especial. Mas como a Lei das Cooperativas não trata de recuperação, concordata ou outro mecanismo de preservação em época de crise financeira sanável, não haveria óbice legal à aplicação das disposições da Lei 11.101/2005, no tocante à recuperação, também às cooperativas (com a exceção, prevista pela lei, das cooperativas de crédito).

A este argumento hermenêutico soma-se outro, ainda mais relevante: a viabilidade da recuperação de cooperativas é uma medida de cumprimento da função social do direito. Afinal, se não se autoriza a recuperação em favor de uma cooperativa em situação de crise financeira sanável, a alternativa seria a sua liquidação. Alternativa que, como é evidente, a todos prejudica.

Assim como se prevê para as empresas em geral, as cooperativas deveriam ser preservadas em caso de crise financeira sanável. Esta medida protegeria os interesses dos cooperados e de seus credores, já que a manutenção da atividade econômica gera renda a uns e possibilidade de recebimento a outros.

De nada adianta pensar em economia solidária ou em incentivo ao cooperativismo se, no momento da crise, as cooperativas estão menos protegidas do que os empresários em geral. Soluções devem ser buscadas, em especial nesta época de crise, seja por meio de uma lei que elimine dúvidas, seja por meio de uma interpretação focada na função social da lei atual.

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