Para celebrar os 45 anos da Lei das Sociedades Anônimas (LSA), especialistas do escritório MBA apresentam série de conteúdos especiais sobre o tema.
No ano em que completa 45 anos, a Lei das S/A sofreu talvez a sua alteração mais polêmica: a criação do voto plural, antes expressamente vedado. Por meio dele, permite- se estabelecer uma classe especial de ações com direito de voto multiplicado por 10. O tema já é antigo, amplamente discutido ao redor do mundo, embora haja críticas por não ter sido tão amplamente debatido no Brasil.
O voto plural, como a lei denomina (ou, na linguagem de mercado, o supervoto ou DCS – dual class of shares), já havia sido objeto de proposta legislativa em 2018. Retornou com a proposta apresentada pelo deputado Bertaiolli, após debate promovido no IMK (Iniciativa de Mercado de Capitais), grupo organizado pelo Ministério da Economia e formado por diversas entidades governamentais, dentre as quais vale citar a B3, a CVM, a AMEC, a ANBIMA, a ABRASCA e o IBGC. O objetivo do debate foi a melhora do ambiente regulatório e redução do custo de capital no Brasil.
A mudança legislativa teve forte apelo das empresas de tecnologia. Nota-se, nesse segmento, uma valorização maior dos fundadores e executivos- chave, que de fato agregam valor e impulsionam a inovação no ambiente dinâmico e ágil em que atuam. O movimento de abertura de capital de empresas brasileiras nos Estados Unidos, onde se pode criar classes de ações com direito de voto multiplicado por 150, também contribuiu, embora pesquisas indiquem que o voto plural não foi fator determinante, mas sim outros aspectos como o acesso ao mercado internacional, melhor avaliação e maior liquidez.
As principais críticas ao voto plural guardam relação com os movimentos de melhores práticas de governança (visando o melhor alinhamento entre os interesses econômicos e políticos, evitando o chamado conflito de agência) e de preocupação com a efetiva proteção dos minoritários. Na comparação com mercados estrangeiros, há que se considerar a diferença de maturidade entre os mercados brasileiro e estadunidense, além das experiências de outros mercados como o Japão e a Austrália. No Brasil, ainda que a lei ofereça mecanismos de proteção, ainda é possível verificar obstáculos de natureza prática à proteção efetiva, especialmente de minoritários de menor expressão econômica, tais como o alto custo da arbitragem, frequentemente fixada como meio de resolução de disputas, e a jurisprudência dos tribunais sobre a necessidade de prova de dano concreto para a anulação de votos proferidos em conflito de interesses.
Há que se considerar também as diferentes perspectivas entre companhias fechadas, que prezam por maior autonomia e liberdade contratual pautadas na paridade entre as partes, e companhias abertas, que exigem maior proteção a pequenos investidores com menor poder de negociação e informação.
O resultado dos debates no Brasil foi a aprovação da modificação com a previsão de algumas salvaguardas pleiteadas por associações como a AMEC e o IBGC: máximo de 10 votos por ação, máxima vigência inicial de 7 anos, prorrogáveis sob determinadas condições, não aplicação para aprovação de contratos relevantes com partes relacionadas ou para deliberação sobre a remuneração dos administradores, dentre outras. Considerando que já havia permissão para emissão de até 50% das ações sem direito a voto, na prática, um acionista pode vir a ser controlador com apenas 9,1% das ordinárias, ou 4,55% do total (caso tenha 50% sem direito a voto).
Os efetivos efeitos do voto plural e sua aceitação pelo mercado hão de ser observados nos próximos anos. Recomenda-se que seja avaliada a real conveniência caso-a-caso e seus impactos na avaliação da empresa, preferencialmente vinculando-o à consecução de planos de mais longo prazo (até como forma de evitar os impactos de acionistas com interesses de mais curto prazo) e à efetiva contribuição do acionista detentor do direito.