Quando se fala em reforma tributária, logo vem à mente a simplificação do sistema, através da instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), com características de IVA, único para todo o território nacional, com a previsão de alíquota una, à exceção de algumas atividades específicas.
Contudo, a PEC 45/2019 prevê a criação de mais um tributo: O Imposto Seletivo (IS).
De competência exclusiva da União, e com previsão para ser exigido a partir de 2027, o IS tem como campo de incidência a produção, extração, comercialização ou importação de bens ou serviços, considerados potencialmente nocivos à saúde e ao meio ambiente. Conforme previsto na PEC 45/2019, o imposto incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço, em regime monofásico de tributação, e não será calculado “por dentro”, ou seja, não integrando sua própria base de cálculo. Suas alíquotas poderão ser específicas, por unidade de medida ou, ainda, ad valorem, devendo ser respeitada a anterioridade anual para sua instituição. Foram afastadas da tributação pelo Imposto Seletivo as exportações, operações com energia elétrica e telecomunicações, bem como as vendas de armamentos destinadas à administração pública.
Consta no texto que o novo tributo possui natureza extrafiscal, instrumento tributário utilizado como direcionador de condutas sociais, que, para o contexto dessa reforma, mostra-se consonante com suas pautas ambientais e humanísticas. Ademais, o texto aprovado no Senado Federal, e que agora segue para nova apreciação pela Câmara dos Deputados, estabeleceu que a fixação das alíquotas do IS será por meio de Lei Ordinária, o que abre margem para a possibilidade de edição de medidas provisórias editadas pelo Executivo, para a fixação destas alíquotas.
Muitos pontos abertos permeiam a criação do IS, principalmente quando analisados os mandamentos que constam da PEC 45/2019, pela falta de um texto mais assertivo, cujas determinações suscitam interpretações diversas.
Um destes pontos é a extrafiscalidade do imposto, que poderia servir de camuflagem para fins puramente arrecadatórios, ao passo que suas alíquotas poderiam ser facilmente majoradas, inclusive por ato do Poder Executivo, o que também poderia ser utilizado para aumento indireto da carga tributária do IBS e da CBS incidentes sobre as atividades e bens sujeitas ao IS, já que este deverá ser incluído nas bases de cálculo daqueles tributos.
Ainda, sobre a extrafiscalidade, é certo que para atingir seu objetivo de inibir o consumo de bens e serviços potencialmente nocivos, a expectativa é de que o Imposto Seletivo possua uma elevada carga tributária, com alíquotas que impactem o preço final das operações. Justamente por esta característica, é que se compara as atuais alíquotas do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre determinados produtos (por ex.: 300% sobre cigarros; 19,5% sobre bebidas alcóolicas), que, também, possui natureza regulatória de tributo extrafiscal. Note-se que a previsão de exigência do IS a partir de 2027 se dará justamente com a extinção do IPI, prevista para o mesmo ano, de acordo com a PEC 45/2019.
Outra alteração promovida pelo Senado Federal, e que pode representar grande impacto na economia, é a inclusão de atividades extrativistas no campo de incidência do IS, tendo como possível consequência o desrespeito a previsão de sua tributação monofásica, como no caso da cadeia do petróleo e dos combustíveis.
Pelo texto atual, há possibilidade de que a extração do petróleo seja tributada pelo IS – por ser atividade com início e fim próprios – e posteriormente, as atividades de produção por refinarias, para a preparação de gasolina e diesel, novamente sofrerem incidência do imposto, uma vez que a comercialização de combustíveis fósseis é prevista como hipótese de tributação. A oneração desta cadeia, e de outras que envolvam extração e posterior beneficiamento das matérias-primas, sofrerá também com a oneração resultante da impossibilidade de crédito do IS recolhido na etapa anterior, já que foi determinado regime cumulativo ao imposto. Pelo texto, seria aplicada alíquota fixa de 1% do valor de mercado do produto extraído.
Somando-se a tudo isso, o principal aspecto ainda não cristalino é a determinação de quais serão as atividades, bens ou serviços considerados potencialmente nocivos à saúde, alcançados pelo IS.
Comparado ao Imposto do Pecado, presente no ordenamento de alguns países que tributam de forma mais elevada produtos como cigarros e bebidas alcóolicas, ou ainda ao Imposto das Bebidas Açucaradas, existente no Chile e no México, por exemplo, o Imposto Seletivo brasileiro nasce com a missão, ou ao menos, com a boa intenção, de ser instrumento de Estado para a transição energética necessária ao país, em conjunto aos esforços de preservação ambiental, ou ainda, como aliado ao Sistema Único de Saúde, quando mira desincentivar o consumo de determinados produtos, cujo excesso implica reflexos na saúde das pessoas.
Aqueles produtos, sejam os já citados anteriormente, ou aqueles que são notoriamente prejudiciais, como alimentos ricos em sódio, por exemplo, provavelmente estarão dentro do campo de incidência do IS, porém, outros não tão óbvios podem vir a ser incluídos, como o caso de frutas e hortaliças, em cujo cultivo se utiliza grandes volumes de defensivos agrícolas, e que chegam ao consumidor com vestígios destes produtos em níveis superiores aos recomendados.
Caberá, portanto, ao legislador, quando da edição da Lei Complementar, estimular a participação da sociedade para que se determine quais serão as atividades, os bens e os serviços potencialmente nocivos à saúde e ao meio ambiente. O equilíbrio necessário se faz, inclusive, com o intuito de não inviabilizar determinados segmentos, uma vez que toda e qualquer atividade humana possui impactos, umas mais e outras menos.
Por Luana Maria Vaz e Vinícius Encinas Paz