A operação de alienação de estabelecimento comercial, considerado este como o conjunto de bens, corpóreos e incorpóreos, necessários ao desenvolvimento de uma atividade empresária, é uma transação comum no Brasil, denominada de “trespasse”. Independentemente das regras contratuais que regulem os direitos e obrigações entre as partes alienante e adquirente, nosso Código Civil estabelece, como regra geral, que o adquirente responde perante terceiros por todos os ônus e obrigações anteriores à transferência do estabelecimento comercial, desde que regularmente contabilizados (continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento), fato que, por si só, desincentiva a realização de trespasses.
Por sua vez, quando tratamos da alienação de estabelecimento de uma sociedade empresária em recuperação judicial, o cenário legislativo é bastante diferente, considerando o previsto na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências), a qual relaciona o trespasse de estabelecimento comercial como meio de arrecadação de recursos pela recuperanda e, portanto, trata-se de mecanismo para viabilizar a continuidade da empresa, este sendo o maior pilar da recuperação judicial.
A Lei de Falências também dispõe que, caso a alienação judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas da empresa devedora esteja prevista no plano de recuperação judicial aprovado pelos seus credores, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e, portanto, não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza.
Ressalta-se que, para afastar o adquirente/arrematante da sucessão das dívidas e obrigações, conforme previsto na Lei de Falências, é necessário a observância de vários critérios legais, dentre eles as modalidades de aquisição, quais sejam: (i) leilão eletrônico, presencial ou híbrido; (ii) processo competitivo organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada; ou (iii) qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos da Lei. Ainda, desde que a alienação seja realizada por uma das modalidades ordinárias, com sua previsão no plano de recuperação judicial aprovado pelos credores e homologado judicialmente, fica dispensada a concordância direta de todos os credores para realização do trespasse.
Importante destacar que a inocorrência de sucessão dos ônus e das obrigações da recuperanda não se aplicará quando o arrematante for (i) sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; (ii) parente em linha reta ou colateral até o 4º grau, consanguíneo ou afim do falido ou de sócio da sociedade falida; ou (iii) identificado como agente do devedor com o objetivo de fraudar a sucessão.
Observadas, portanto, as determinações da Lei de Falências, a aquisição de estabelecimentos, filiais ou de unidades produtivas isoladas, diretamente de sociedades em recuperação judicial, pode ser um ótimo negócio.
Por Thauná da Silva Cavalcanti e Vitória Araújo Bilibio