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O [não] cabimento das ações rescisórias ajuizadas pela União na tese do século

Publicado em: 02 May 2024

Passados mais de dois anos do trânsito em julgado da tese do século, a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS continua tendo novos desdobramentos nos Tribunais Superiores. E a discussão da vez diz respeito às ações rescisórias ajuizadas pela União com o objetivo aplicar a modulação de efeitos definida no julgamento dos Embargos de Declaração do Tema 69, em 2021.

Tratando de uma breve linha temporal, em 2017, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão de mérito no RE 574.706 (Tema nº 69) fixando a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”.  Quatro anos depois, em agosto de 2021, a mesma Corte julgou os Embargos de Declaração opostos contra o acórdão paradigma, oportunidade na qual: (i) estabeleceu-se que o ICMS destacado nas notas fiscais deveria ser excluído da base de cálculo das contribuições; bem como, (ii) modulou os efeitos temporais da decisão para 15/03/2017, ressalvadas as ações judiciais e os procedimentos administrativos protocolados até então.

Diante deste lapso temporal de 4 anos entre os julgamentos, diversas ações judiciais ajuizadas após 15/03/2017 tiveram o seu trânsito em julgado antes da apreciação dos Embargos de Declaração do Tema 69. Isso fez com que, para estes casos, a União ajuizasse ações rescisórias com o intuito de aplicar a modulação de efeitos e limitar o proveito econômico obtido pelos contribuintes.

Os Tribunais de 2ª instância vêm sinalizando, na maioria das decisões, o cabimento e provimento destas ações rescisórias. Todavia, com a devida vênia, este não nos parece ser o correto entendimento sobre o tema, principalmente quando confrontamos a discussão com a Súmula nº 343/STF e Tema nº 136 da Repercussão Geral.

Em relação à Sumula nº 343/STF, este verbete nos diz que “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. E aqui, a expressão “controvertida nos tribunais” foi esclarecida pelo STF no RE 590.809/RS, e pelo STJ na AR 4.443/RS, como ausência de controle concentrado de constitucionalidade.

Em outras palavras, o afastamento da Súmula nº 343/STF – e cabimento da ação rescisória -, só seria possível se o STF proferisse uma decisão em controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC, ADO e ADPF) conflitante com a coisa julgada individual.

Considerando que o RE 574.706 (Tema 69) foi julgado sob a sistemática do controle difuso de constitucionalidade, o não cabimento de ações rescisórias ajuizadas pela União demonstraria o entendimento mais correto a ser adotado sobre o tema, observando o teor da Súmula nº 343/STF, ainda vigente em nosso ordenamento jurídico.

O STJ vem seguindo este raciocínio. Quando teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema nos Recursos Especiais nº 2058293/RS e 2060442/RS, a Corte Superior entendeu que “a questão acerca da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS somente restou pacificada com o julgamento do RE 574.706/PR, pelo Supremo Tribunal Federal, sob o regime da Repercussão Geral (controle difuso de constitucionalidade, e não concentrado), não se enquadrando na exceção prevista pelo STF a justificar o cabimento da Ação Rescisória […].”

Não bastasse o entendimento supramencionado, é necessário destacar que o Tema nº 136/STF também afasta o cabimento das ações rescisórias ajuizadas pela União. Explica-se.

Em 2014, ao julgar o RE 590.809 sob a sistemática da Repercussão Geral, o STF definiu a tese de que “não caba ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente” (Tema nº 136).

E aqui, o “entendimento firmado pelo Plenário do Supremo” – previsto na tese fixada no Tema nº 136 -, não se verifica somente após o trânsito em julgado daquele paradigma. Isso porque, nos termos dos artigos 926 e 1.040, do CPC, os Tribunais deverão observar a orientação dos Tribunais Superiores logo após a publicação do acórdão paradigma. Ou seja, o “entendimento firmado pelo Plenário do Supremo” se concretiza logo após a publicação daquela decisão.

Considerando essa tese fixada, é nítido que entre as datas de 15/03/2017 e 15/03/2021, o entendimento do Plenário do STF era no sentido de que o ICMS não deveria compor a base de cálculo do PIS e da COFINS, sem qualquer limitação temporal em função da modulação de efeitos.

Isso significa dizer que, se determinada ação individual tivesse seu trânsito em julgado anterior à data de julgamento dos Embargos de Declaração (15/03/2021), esta coisa julgada não poderia ser afetada por uma ação rescisória, uma vez que seu teor estava em harmonia com o entendimento do STF definido até então.

E é exatamente neste sentido que delineiam-se os primeiros posicionamentos do STF quanto à matéria. Com efeito, em decisão monocrática proferida no Recurso Extraordinário nº 1468946/RS, o Min. Luiz Fux julgou que “o acórdão rescindendo transitou em julgado em 25/2/2021, antes, portanto, do julgamento dos embargos de declaração no RE 574.706, que fixou a modulação temporal de efeitos relativa à aplicação da tese do Tema 69 de Repercussão Geral. É dizer, o acórdão rescindendo, à época de sua formalização, estava em harmonia com o entendimento do Plenário desta Corte relativo ao referido tema de repercussão geral, o que inviabiliza sua rescisão.”

Em suma, diante das orientações acima, concluímos que a coisa julgada é uma garantia fundamental e cláusula pétrea constitucional, que possui fundamento na segurança jurídica e na confiança dos contribuintes junto ao Poder Judiciário. Isso significa dizer que as decisões definitivas somente deverão ser rescindidas em ocasiões excepcionalíssimas, sob pena de se “banalizar” o instituto da ação rescisória.

Conforme conceituado por Marco Antonio Rodrigues[1], a ação rescisória é uma ação autônoma que busca desconstituir coisa julgada por razões de invalidade ou justiça. Ou seja, o seu papel não é aplicar o atual entendimento do STF para todo e qualquer processo encerrado.

A discussão envolvendo a tese do século segue gerando debates no poder judiciário. Recentemente, o STJ afetou para julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos o Recurso Especial nº 2066696/RS, onde a 1ª Seção se debruçará sobre “a admissibilidade da ação rescisória para adequar julgado à modulação de efeitos estabelecida no Tema nº 69 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal”, determinando a suspensão de todos os processos que tratam desta matéria.

Na expectativa de que este será o capítulo final desta novela, continuemos acompanhando cada episódio com a confiança – e expectativa – de que, ao final, prevalecerá, a garantia dos contribuintes.

[1] Rodrigues, Marco Antonio Manual dos recursos, ação rescisória e reclamação – 1. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. Pág. 350

Por Augusto Chimborski e Luiza França Pecis

Augusto Chimborski

Augusto Chimborski began his professional career as an intern at Marins Bertoldi Advogados, working in both contentious and advisory areas for clients across various sectors of the economy. After graduating...
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