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A falsa função de garantia do capital social de sociedades limitadas

Publicado em: 05 Jul 2009

Já se tornou um lugar-comum nos manuais de direito societário a afirmação de que o capital social representaria uma relativa garantia aos credores da sociedade. Na realidade, não representa. Primeiro, porque é um despropósito falar em uma garantia que é relativa. Se é relativa, nada garante. Segundo, porque o fato de uma sociedade apresentar capital social elevado não significa que ela tem condições de pagamento de suas obrigações melhor do que outra, cujo capital seja mais modesto.

O fato contábil que dá tranquilidade ao sono dos credores não é o montante do capital social de seus devedores, mas sim o patrimônio líquido destes. Se há bens livres e desembaraçados em valor suficiente à satisfação do crédito, ótimo. Se não os há, os problemas surgirão, independentemente do valor do capital social. Pode haver sociedades com valores meramente simbólicos de capital social, mas com baixo índice de endividamento, o que conduz a uma correta conclusão quanto à sua solvabilidade, enquanto outras apresentam em seus contratos sociais valores impressionantes, mas que nada significam quando cotejados com as dívidas anteriores da sociedade.

Provavelmente os autores que repetem a velha fórmula de que o capital social constituiria uma relativa garantia pensam na aplicação do princípio da intangibilidade, segundo o qual não pode haver distribuição de lucros em prejuízo do capital social. De acordo com o art. 1.059 do Código Civil, “os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital.” Claro que em uma sociedade com valor elevado de capital social será mais difícil a distribuição de lucros, o que poderia servir de indício quanto à existência de um maior volume de bens e direitos no patrimônio da sociedade. Mas este é um mero indício quanto à maior solvabilidade da sociedade em comparação com outra de capital mais baixo. Mesmo com um capital multimilionário, uma sociedade pode se apresentar insolvente, se houve dívidas anteriores que consumiram o seu ativo. Impede-se, em suma, a distribuição de lucros, mas não se reserva o valor do capital social.

Para além desta questão geral, há outro aspecto relativo ao capital social em sociedades limitadas que reforça a conclusão de que o mesmo não representa garantia, relativa ou absoluta, frente a seus credores. E este aspecto é a forma de sua integralização.

A forma de integralização do capital social deve ser especificada no contrato social. Podem existir variações quanto à época e quanto aos meios. Quanto à época, a integralização pode ser feita à vista, a prazo ou de forma parcelada. Quanto aos meios, pode ser feita em dinheiro, em bens, por meio de cessão de crédito ou por reversão de reservas.

No Brasil, a forma mais comum de integralização é a feita em dinheiro e à vista. Aparentemente, trata-se da forma mais segura aos credores da sociedade. Mas nem sempre a declaração de integralização corresponde a uma efetiva transferência de valores à sociedade. Isto porque não é necessária a realização de depósitos bancários em favor da sociedade para a comprovação da integralização. Basta a declaração da transferência de valores, no contrato social, com o registro contábil da operação.

Outra forma corriqueira de integralização é a transferência de propriedade de bens. Também aqui, há situações em que os credores não terão seus interesses protegidos. Esta falta de proteção decorre de dois fatos: a possibilidade de utilização de qualquer bem suscetível de avaliação pecuniária (mesmo que absolutamente inútil ao desenvolvimento da atividade empresarial) e o fato de serem os sócios os responsáveis pela avaliação deste bem. Diante destas regras, há situações em que um capital social de valor elevado é integralizado por meio da transferência de propriedade de bens inúteis e de difícil venda a terceiros, que podem ser penhorados, mas dificilmente encontrarão interessados em sua arrematação.

Tais fatos mostram que a realidade contábil do capital social nem sempre corresponde a uma situação patrimonial efetiva.

Em suma: o capital social não constitui garantia aos credores da sociedade. Se continuássemos crendo que constitui uma “relativa garantia”, poderíamos ser levados a acreditar que a concessão de crédito a uma sociedade com um capital elevado é uma operação mais segura do que a concessão de crédito a outra pessoa jurídica cujo capital fosse uma fração da primeira. E, nesta análise precipitada de solvabilidade, erraríamos na avaliação, e muito provavelmente colheríamos os resultados na forma de inadimplência e insolvência.

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