Não é novidade que as empresas brasileiras estão submetidas a uma carga tributária elevada e a uma complexa legislação fiscal, justificando a última posição do Brasil no relatório Latin Tax Index do Latin Business Chronicle, elaborado com dados do Banco Mundial e da KPMG, realizados entre os 183 países pesquisados. Tal resultado negativo é representado, entre tantos exemplos, pela pesada tributação da folha de salário, tendo em vista os altos tributos que incidem sobre determinados valores recebidos pelos empregados.
Não obstante os tributos pagos mensalmente sobre as verbas trabalhistas, uma parcela da preocupação dos empregadores também reside sobre os valores pagos na demissão sem justa causa do empregado. É que, além das obrigações trabalhistas próprias, como salários, férias e o pagamento de 40% da multa do FGTS, o empresário também arca, adicionalmente, com a contribuição social de 10% em relação ao FGTS. Esta última obrigação é um tributo exigido desde janeiro/2002, estabelecido pelo artigo 1º da Lei Complementar nº 110/2001 e popularmente chamado de “multa de 10% do FGTS”.
Isto é, somente em relação ao FGTS, as empresas são obrigadas, na prática, a pagarem o valor equivalente a 50% sobre todo o valor do período do contrato de trabalho depositado na Caixa Econômica Federal, considerando que o 40% é para o trabalhador (depositado na conta do FGTS) e 10% é para o governo federal (contribuição social), em se tratando da dispensa sem justa causa.
Todavia, a multa de 10% do FGTS (contribuição social do artigo 1º da LC 110/2001) tornou-se indevida a partir de março de 2012 e, mesmo assim, vem sendo recolhida por milhões de empresas aos cofres federais. Essa ilegitimidade é devida ao exaurimento da finalidade da mencionada contribuição, pois, desde o início de 2012, a arrecadação do tributo está sendo direcionada a outro objetivo que não aquele originalmente proposto, o que desnaturaliza a essência dessa espécie tributária.
De acordo com os registros legais, a finalidade da contribuição social do artigo 1º da LC 110/2001 foi recompor financeiramente as perdas das contas do FGTS sofridas pelos expurgos inflacionários, notadamente em razão dos Planos Econômicos denominados “Verão” (1988) e “Collor” (1989). Portanto, quando da criação deste tributo em 2001, pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, os empresários foram chamados, mais uma vez, a pagarem a conta pelo insucesso dos referidos planos econômicos.
Acontece que as contas do FGTS foram integralmente recompostas em razão dos mais de 10 anos de pagamento deste tributo, conforme afirmou a Caixa Econômica Federal, administradora do Fundo, por meio do Ofício n. 038/2012, dirigido ao Secretário-Executivo do Conselho Curador do FGTS, considerando-se que o saldo negativo já havia sido equilibrado. Em outras palavras, desde março/2012, a arrecadação da contribuição social de 10% do FGTS está sendo remetida ao Tesouro Nacional, uma vez que as contas do FGTS já não são mais deficitárias. Ora, se os valores arrecadados em questão estão sendo desviados ao Tesouro Nacional, é porque os tributos pagos pelos empresários a este título não servem mais a recomposição das contas do FGTS, mas sim para programas sociais do governo.
Inclusive, diante da total desvirtuação da finalidade desta contribuição, tanto a Câmara dos Deputados como o Senado Federal aprovaram a sua extinção no início de julho/2013. No entanto, diante da pressão política, em 23/07/2013, a presidente Dilma Rousseff vetou o Projeto de Lei n. 200/2012 (que sugeriu a extinção da contribuição), por entender que haveria prejuízos na arrecadação tributária e que a medida impactaria no desenvolvimento do programa “Minha Casa, Minha Vida”.
Isto é, ficou evidente o desvio da arrecadação da contribuição social para outros fins que não o da recomposição das contas do FGTS, reforçado, ainda, pela justificativa presidencial. E o pior é que o mencionado projeto retornou ao Congresso Nacional, sendo que os mesmos parlamentares que até então tinham aprovado a extinção do tributo, votaram, em sessão secreta de 17/09/2013, pela manutenção do veto e, consequentemente, na “regular” cobrança do tributo.
Em arremate, as empresas possuem o direito de reaver, por meio de ação judicial, as contribuições sociais do artigo 1º da LC 110/2001 pagas indevidamente, em razão do exaurimento de finalidade. Inclusive, o Tribunal Regional Federal da 4ª possivelmente concluirá, nos próximos dias, julgamento em arguição de inconstitucionalidade sobre este tributo, resultado esse que será vinculado para todos os Juízos federais do Paraná, Santa Cataria e Rio Grande do Sul. Caso o TRF-4 conclua de modo favorável aos contribuintes, será possível as empresas recuperarem os últimos anos pagos indevidamente por este tributo, bem como deixar de pagar esta contribuição, desde que esteja amparado por decisão judicial.
*Advogado especialista em direito tributário do Marins Bertoldi Advogados Associados. Professor de Direito Tributário. Pós-Graduado em Direito Tributário e Internacional. Especialista em Contabilidade e Finanças. rgc@localhost
Artigo publicado pela Gazeta do Povo em 23/06/2016