Em uma escalada global estarrecedora, a pandemia gerada pelo novo coronavírus – COVID-19 abalou os principais setores de países que há muito não contavam com algo tão avassalador. A complexidade do mundo atual emerge diante dos eventos cada vez mais inesperados, relembrando os diversos alertas dados desde a inquietante teoria do caos. Estamos presenciando a usurpação, nos cenários mais graves, de direitos que hoje nos parecem mais privilégios – basta pensar nas restrições de ir e vir, atualmente vigentes na Itália. Evidenciou-se, ainda, a competência (ou sua falta) dos governantes em reagir de forma eficaz no contingenciamento dos graves impactos que atingem, notadamente, os setores da saúde e da economia.
No que se refere à economia, assistimos diariamente a forma com que os chefes de Estado lançam mão da tributação como instrumento de controle de danos e de suporte à população. Afinal, numa economia capitalista, a restrição de circulação de pessoas e de mercadorias, em muitos casos, gera impactos imediatos. Na França, Emmanuel Macron suspendeu a cobrança de impostos e garantiu 300 bilhões de euros para pequenas empresas. Donald Trump informou ter instruído o Departamento do Tesouro estadunidense a adiar a coleta de impostos para determinadas pessoas e companhias impactadas pela epidemia. Na China, anunciou-se a isenção dos tributos alfandegários punitivos incidentes sobre produtos médicos americanos, exigidos pelo país em virtude de sua guerra comercial com Washington/DC.
No Brasil, as medidas começaram a ser anunciadas pelo Ministério da Economia com certa timidez, mas, com o passar das horas, o Governo Federal felizmente começou a reagir ao agravamento da situação. O Ministro Paulo Guedes anunciou que com as medidas intenta-se a injeção, na economia, do valor estimado de R$ 147 bilhões de reais, dentre elas as que seguem abaixo.
Em 18/03/2020, o Comitê Gestor do Simples Nacional, por meio da Resolução n. 152/2020, prorrogou por seis meses as datas de vencimento dos tributos federais apurados pelas empresas optantes do Simples Nacional. Dois dias antes, o Ministério da Economia anunciou a redução de 50%, pelo prazo de três meses, das contribuições ao Sistema S. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por sua vez, está autorizada, com base na Medida Provisória n. 899/2019, a adotar pacote de medidas de suspensão de atos de cobrança e de facilitação da renegociação de dívidas. Dentre as medidas, estão a suspensão de prazos e facilitação da negociação de dívidas.
Com relação ao fornecimento de produtos médicos e hospitalares, as alíquotas do Imposto de Importação de 50 produtos foram reduzidas a zero pelo o Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior- Camex (Resolução n. 17/2020). Da mesma forma, segundo o sítio eletrônico do Ministério da Economia, foram simplificados os procedimentos do despacho aduaneiro dos mencionados produtos (IN 1927 de 17 de março de 2020), dentre outras medidas anunciadas pelo Governo que pendem de publicação.
A pandemia enfraquece o sistema social como um todo, do qual a economia tem papel fundamental. Nesse cenário, a tributação, sempre lembrada como sinônimo de arrecadação do Estado, destaca-se como instrumento fundamental do Governo para contenção da crise e redução dos impactos. As medidas, até então, mostram-se sensíveis, em especial, às empresas de pequeno porte, sem deixar de reduzir impactos econômicos para os demais setores. Tais medidas comprovam que a tributação, conforme já lecionava Geraldo Ataliba há algumas décadas[1], pode ser utilizada com finalidade estimulante de comportamentos para a realização de outros valores constitucionalmente consagrados, seja para possibilitar a manutenção da atividade empresarial em tempos sombrios, seja para viabilizar a rápida importação de produtos imprescindíveis para a área da saúde.
Fernanda Luiza Tumelero é pós-graduanda pelo IBET e advogada no Marins Bertoldi Advogados.
Natália Brasil Dib é doutoranda em Direito pela PUCPR e advogada no Marins Bertoldi Advogados.
[1] ATALIBA, Geraldo. IPTU: progressividade. Revista de Direito Público, v. 23, n. 93, 1990, p. 233