Uma empresa pode ser adquirida de duas formas: ou se promove a transferências das quotas sociais em que se divide o capital da sociedade que vinha explorando o empreendimento, ou se procede a uma transferência de estabelecimento empresarial.
No primeiro caso, tem-se um negócio jurídico simples quanto à forma e aos efeitos. Se a atividade vinha sendo explorada por uma sociedade limitada (o que é a regra para empreendimentos de pequeno e médio porte), a operação é formalizada por uma alteração de contrato social, que será arquivada na Junta Comercial. O único obstáculo imposto pelo direito é a necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos (de tributos federais, de tributos estaduais e de obrigações previdenciárias, além da certidão de regularidade frente ao FGTS). Mas a apresentação de certidões não é exigida de microempresas e empresas de pequeno porte, desde a edição da Lei Complementar 123/2006.
Uma vez feita a operação, os novos sócios serão os responsáveis pela manutenção da atividade, e pelo cumprimento das obrigações assumidas anteriormente à transferência. As obrigações são da sociedade, sejam elas anteriores ou posteriores, contabilizadas ou não contabilizadas, conhecidas ou desconhecidas pelo adquirente. A sociedade é a mesma, antes e depois da operação de transferência de quotas sociais. Mudam os sócios, mas a sociedade (que é o empresário, no plano jurídico), mantém sua identidade.
Destaque-se que pouco adianta fazer constar do contrato uma cláusula prevendo a responsabilidade pessoal do vendedor em relação aos débitos não informados ao comprador, seja porque ela não gera efeitos aos credores da sociedade, seja porque será pouco provável o sucesso em uma cobrança judicial de alguém que está agindo de má-fé já no momento da transferência de quotas. Temos, assim, que a operação de transferência de quotas é simples, mas impõe aos adquirentes um risco considerável em relação aos débitos anteriores que não sejam informados pelo vendedor.
Outro caminho possível para se promover a transferência de uma determinada empresa é a alienação do estabelecimento empresarial. O estabelecimento é o conjunto de elementos, materiais e imateriais, necessários ao desenvolvimento de uma determinada atividade empresarial. No caso de uma sociedade limitada, constituída para a finalidade de exploração do comércio varejista de vestuário, o estabelecimento será a loja. Se a mesma sociedade montar três lojas, serão três estabelecimentos distintos, e um só empresário. Juridicamente, o estabelecimento é um bem móvel, integrante do patrimônio do empresário, que pode ser vendido sem que esteja sendo transferida a própria sociedade.
A operação de transferência do estabelecimento empresarial somente passou a contar com uma normatização específica com a edição do Código Civil de 2002. Até então, eram raras e assistemáticas as disposições normativas que tratavam da matéria. A principal fonte para a solução dos litígios era a doutrina, especialmente a célebre obra de Oscar Barreto Filho (Teoria do Estabelecimento Comercial). Já com a edição do Código de 2002, o legislador resolveu tratar diretamente da matéria. E o fez pessimamente.
Com o claro objetivo de proteger os credores do empresário vendedor (mas longe de obter tal intento), os arts. 1.142 a 1.149 do Código Civil impõem barreiras e riscos tão elevados aos empresários envolvidos que a transferência de um estabelecimento se mostra quase inviável na prática. Ao contrário de outros países, que seguiram o exemplo da França (primeiro país a tratar da matéria, com a edição da Lei de 17 de março de 1909, absorvida sem alterações relevantes pelo Código Comercial de 2001), construindo normas que facilitam a realização do negócio jurídico (principalmente como mecanismo de preservação da empresa), no Brasil as regras partem da presunção de que a operação está sendo feito de forma fraudulenta, e praticamente impedem a sua realização.
As formalidades necessárias para que o negócio gere efeitos frente a terceiros estão descritas no art. 1.144. Exige-se o arquivamento do ato na Junta Comercial e a sua publicação no Diário Oficial do Estado. É de se questionar a necessidade de se proceder a dois atos de publicidade, especialmente porque a publicação no Diário Oficial do Estado tende a ser absolutamente inócua.
São dois os efeitos negativos da norma. Além de se elevar desnecessariamente os custos da operação, aumentam-se os riscos, já que, por falta de conhecimento das partes e pela ilogicidade da norma, são poucos os empresários que cumprem estas exigências legais.
Outra regra que merece críticas severas está no art. 1.146 do Código Civil. Ela prevê que o adquirente do estabelecimento terá a responsabilidade pelo pagamento das dívidas anteriores à transferência, desde que contabilizadas. A norma ofende aos preceitos da teoria do estabelecimento empresarial, especialmente porque o estabelecimento não é um sujeito de direito, mas sim um objeto de direito. Ademais, o empresário que vende o estabelecimento (que deveria ser o único responsável pelo pagamento das dívidas pelo mesmo contraídas), continua a existir após a transferência. No plano jurídico, o empresário mantém personalidade própria até o momento da baixa de seu ato constitutivo perante a Junta Comercial.
A norma, além de ilógica quando se considera a natureza jurídica do estabelecimento, impõe um severo risco ao eventual adquirente, especialmente na hipótese de o vendedor ser proprietário de mais de um estabelecimento, e não estar transferindo todos para o mesmo comprador. Isto porque o livro obrigatório que contém a descrição da totalidade do passivo de um empresário é o Livro Diário, que é escriturado de forma global, sem necessidade de distinção por estabelecimentos. Assim, analisando a contabilidade, não terá o adquirente como saber quanto das dívidas, e quais das dívidas, lhe serão exigidas.
Mas nenhuma das normas relativas à transferência de estabelecimento se mostra mais inadequada do que o art. 1.145 do Código Civil. A regra prevê a possibilidade de declaração de ineficácia do negócio de transferência (e, consequentemente, a perda do estabelecimento adquirido), quando algum credor anterior à operação não for devidamente pago. Se houver tal requerimento, o empresário adquirente somente poderá evitar a declaração judicial de ineficácia se conseguir comprovar uma das três excludentes previstas pela lei: a) que já foram pagos todos os credores anteriores à transferência; b) que, ao tempo da transferência, havia bens suficientes no patrimônio do vendedor para proceder a tal pagamento; ou
c) que todos os credores foram pessoalmente notificados, e não se opuseram à operação no prazo de 30 dias. Destaque-se ainda que a boa-fé do adquirente é irrelevante, e que é impossível ter certeza quanto à composição exata da lista de credores, no momento da operação, já que a lei prevê que, neste caso, reúnem-se dívidas contabilizadas e não contabilizadas.
Somando-se as três regras, percebe-se que o potencial adquirente de um estabelecimento empresarial sofre a incidência de normas que elevam exageradamente custos e riscos, sem que haja uma efetiva contrapartida em termos de segurança geral para o crédito. Os riscos, em especial, são tão elevados que as partes que os conhecem dificilmente levarão a cabo um potencial negócio de transferência de propriedade de estabelecimento empresarial.
Para a economia do país, há duas consequências negativas principais: em primeiro lugar, viola-se o princípio da preservação da empresa. Se um empresário não mais deseja explorar um determinado estabelecimento, não terá nenhuma facilidade para realizar sua transferência, abrindo-se com naturalidade o caminho da liquidação deste estabelecimento. Esta opção, além gerar ganhos consideravelmente menores (já que na venda de um estabelecimento obtém-se um preço maior do que na venda isolada de alguns de seus elementos), leva ao encerramento de contratos de trabalho, e à redução do nível geral de atividade econômica daquela região.
Além deste efeito socialmente indesejado, deve-se ter em conta que os empresários que resolverem enfrentar todos os custos e riscos impostos pela lei certamente repassarão tais custos e riscos na precificação de seus produtos. E, ao repassar estes elementos ao preço de seus produtos, os empresários estão não só diminuindo a eficiência de sua atividade econômica, como também corroendo o poder de compra de sua clientela.
Em conclusão, temos que a operação de aquisição de uma unidade empresarial pode ser feita de duas formas: transferência das quotas em que se divide o capital da sociedade que vinha explorando o empreendimento, ou transferência do estabelecimento empresarial. Em ambas, o adquirente acaba assumindo a responsabilidade pelo pagamento de um passivo impossível de ser perfeitamente dimensionado no momento da operação. E, se a opção for pela aquisição do estabelecimento, incluem-se custos e riscos que logicamente inviabilizam o negócio. Assim, o direito força a escolha pelo caminho da transferência de quotas, mesmo que ele gere custos de transação indesejados pelas partes.
Mais uma vez, trata-se o empresário como um fraudador presumido, impondo-se custos que serão suportados não só pelas partes negociais, como também por toda uma sociedade cansada de ver o país perder oportunidades de crescimento.