Por Pedro Carvalalho da Costa e Vitória Araujo Bilibio
Esse é o primeiro artigo na série “Em M&A, tudo é preço”, na qual procuraremos explorar algumas cláusulas típicas de contratos de M&A, as quais todos os profissionais da área (advogados, contadores, economistas, administradores etc.) precisam dominar em uma mesa de negociação, adequando-as para as necessidades de seus clientes.
Uma dessas cláusulas típicas é a chamada sandbagging, cláusula que abarca e lida com um assunto muito sensível ao Direito Brasileiro: a boa-fé objetiva nas relações negociais e a possibilidade de se beneficiar de atos que possam conflitar com esse princípio.
A sandbagging trata sobre o que o comprador pode fazer na seguinte situação: antes de fechar o negócio, o comprador descobre algum problema com a empresa, que pode afetar seu desempenho, o preço do negócio ou até mesmo as chances de sobrevivência, mas o comprador decide continuar e fecha a operação. Quais são as alternativas para o adquirente nesse caso?
Pode-se dividir essa cláusula em dois subtipos, a cláusula pro-sandbagging e a anti-sandbagging. Na pro-, há um favorecimento do comprador, de forma que, mesmo que ele soubesse do problema relacionado à empresa e não tenha declarado no decorrer das negociações, se houve uma declaração ou garantia, por parte do vendedor, de que a empresa, estava regular, o adquirente ainda pode solicitar uma indenização ou outro remédio contratual.
Exemplo: na cláusula de declarações e garantias, o vendedor informou que não há processos trabalhistas até a data do fechamento. Porém, durante a Due Diligence, o comprador descobriu uma demanda de mais de R$ 500.000,00, o que não foi informado ao alienante e ficou de fora do contrato. Havendo uma cláusula pro-sandbagging, o comprador pode solicitar uma indenização por quebra de declarações.
Há, do outro lado, a cláusula anti-sandbagging, que impede que o comprador solicite um remédio para informações que já eram de seu conhecimento até o fechamento da operação, mas que não foram informadas no contrato ou em outros instrumentos ou mesmo na mesa de negociação. Se houvesse uma anti-sandbagging no exemplo mencionado acima, o comprador iria amargar com o valor da indenização trabalhista, não lhe sendo autorizado acionar a cláusula de indenização para reaver eventuais valores dispendidos.
Assim como outros institutos de M&A, a sandbagging tem origem no Direito Estadounidense, cujos fundamentos são bastante diversos do que temos no Brasil, e por isso deve ser importada e implantada com cautela, sobretudo por conta das normas do Código Civil sobre boa-fé.
Prevista como cláusula geral e obrigatória em todos os contratos privados (art. 422), ela impõe regras de conduta como lealdade e probidade nas relações privadas. Dentre os deveres colaterais impostos pela boa-fé, estão a vedação ao comportamento contraditório e de se beneficiar da própria torpeza, que vão de encontro com a pro-sandbagging. Há, também, o art. 110, que dispõe que a reserva mental feita durante uma negociação não vincula a contraparte se referida reserva não foi em nenhum momento manifestada.
Os argumentos para a pro-sandbagging estão alinhados com a autonomia privada em geral, já que, em M&A, negociam-se direitos patrimoniais disponíveis. Assim, não haveria problema em inserir essa disposição em contratos de alienação de participação societária. Não se pode olvidar que o vendedor, por estar em controle da sociedade vendida, é quem efetivamente detém as informações relevantes e pode muito bem selecionar quais fornecer e quais não fornecer ao comprador. A cláusula pro-sandbagging, assim, pode ser um instrumento útil para coibir comportamentos oportunistas e amenizar a assimetria de informação em um processo de M&A.
Como os tribunais brasileiros não estão acostumados com essa cláusula, sua inserção em contratos deve ser feita com cautela e com redações claras e precisas, para evitar litígios desnecessários e dúvidas a respeito de sua interpretação. Afinal, sua inclusão deve servir às partes e a melhor completude do contrato, não como uma fonte de atrito entre as partes.



