O tempo em que ESG era visto apenas como discurso de marketing ou obrigação reputacional ficou para trás. Hoje, o tema é sinônimo de dinheiro, acesso a mercado e proteção patrimonial. No agronegócio, essa constatação é ainda mais evidente: produtores, cooperativas e empresas que incorporam práticas ambientais, sociais e de governança em seus processos não apenas atendem a exigências de mercado, mas garantem vantagens competitivas e reduzem riscos jurídicos e financeiros, em um cenário de margens apertadas e muito voláteis e sensíveis à política e à economia.
A Moratória da Soja talvez seja o exemplo mais emblemático de como pactos verdes impactam diretamente a dinâmica econômica do setor. Criada em 2006, a moratória proibiu a compra de grãos oriundos de áreas desmatadas após 2008 na Amazônia. Mesmo sem respaldo legal expresso, o pacto estabelecido entre tradings, ONGs e governo funcionou como verdadeira regulação de mercado, impondo custos reais a quem não se adequou. Sua suspensão pelo Cade, sob o argumento de ausência de base legal, e a posterior restauração de validade pela Justiça, apenas confirmaram o caráter paradoxal desse instrumento: ainda que voluntário, produziu efeitos obrigacionais inescapáveis para toda a cadeia produtiva. A lição é clara — o mercado pode, por meio de acordos setoriais, criar normas com força equiparável à lei, e ignorá-las significa assumir riscos jurídicos e econômicos de alto impacto.
Essa lógica também se reflete no mercado de capitais. A Resolução CVM nº 175, de 2023, que reformulou a regulamentação dos fundos de investimento no Brasil, trouxe a possibilidade de constituição de fundos temáticos e estabeleceu parâmetros mais rígidos de gestão de risco socioambiental. O efeito prático é imediato: recursos financeiros relevantes estão sendo direcionados para projetos sustentáveis, o que reforça a necessidade de alinhamento jurídico das empresas com padrões ESG. Na prática, o produtor ou a empresa que não se adequar ficará em desvantagem no acesso a capital, enquanto aqueles que se estruturarem juridicamente terão condições de captar recursos em condições mais vantajosas.
Esse movimento não se restringe ao Brasil. A União Europeia deu um passo além ao aprovar o Regulamento contra o Desmatamento (EUDR), que entrará em vigor(salvo nova postergação) em dezembro de 2025. A norma estabelece que apenas produtos comprovadamente livres de desmatamento após 31 de dezembro de 2020 poderão ingressar no mercado europeu. Para o agronegócio brasileiro, isso significa que cadeias como a da soja, da carne e do café precisarão comprovar, com sistemas de rastreabilidade robustos, que sua produção é ambientalmente regularizada, ainda que, paralelamente, possa se ventilar institucionalmente o inconformismo de tais barreiras, visando as neutralizar internamente via bases legais e diplomáticas futuramente.
É um fato: mais do que uma barreira ambiental, trata-se de uma barreira comercial e jurídica. Exportadores que não se adequarem poderão enfrentar embargos, perda de contratos e até restrições reputacionais em outros mercados. Em contrapartida, aqueles que se estruturarem juridicamente para atender ao regulamento estarão à frente na corrida por mercados premium, com acesso facilitado ao crédito internacional e a investidores que priorizam compromissos climáticos. É preciso fazer uma análise econômica que envolve custos de transação para não deixarmos de ser competitivos na produção e exportação de nossas commodities e nos produtos de valor agregado.
Esse cenário evidencia a mesma lógica: ESG é dinheiro porque é requisito de mercado, é ativo de mercado, virou moeda de troca (para o bem e para o mal). Normas como a Resolução CVM nº 175 no Brasil e o EUDR na Europa não são apenas políticas setoriais, mas instrumentos jurídicos que determinam quem terá acesso a recursos, a contratos e a mercados estratégicos.
O ESG, portanto, deixou de ser uma pauta acessória e passou a ocupar o centro das decisões de risco. Ele é parte integrante do compliance e da governança corporativa, dialogando diretamente com cláusulas contratuais, com a estruturação de financiamentos e com políticas de exportação. No campo jurídico, o desafio é oferecer soluções que transformem essas exigências em oportunidades, garantindo segurança regulatória e abrindo caminho para inovação no setor. Talvez, o caminho mais inteligente para quebrar as ressalvas em relação ao ESG seja fatiá-lo. Aí vamos encontrar temas como reestruturação de empresas, family offices, accountability, transformação digital, gestão de sucessão, entre tantos outros, que vão muito além das externalidades ambientais isoladas.
O agronegócio brasileiro, por sua dimensão e relevância internacional, tem todas as condições de liderar essa agenda. Ao investir em programas de compliance ambiental, em mecanismos de governança e em práticas alinhadas a compromissos globais, o setor não apenas atende às pressões externas, mas se coloca como protagonista no mercado internacional. ESG é, antes de tudo, estratégia. É dinheiro no presente e posicionamento para o futuro.
O recado é objetivo: sustentabilidade não é custo, é ativo financeiro. Colocar ESG no centro das decisões de risco é o que diferencia quem perde contratos daqueles que lideram o mercado, especialmente quando o que está em jogo é o futuro do agronegócio brasileiro.
Por Rafael Aiex Parra
Fonte Original: agropujante.com.br/esg-agronegocio-estrategia-juridica-financeira/