A crise financeira causada pela pandemia do coronavírus, com o consequente aumento da taxa de desemprego e a redução temporária da renda de muitos trabalhadores, elevou o índice de inadimplência entre beneficiários de planos de saúde. A lei que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde autoriza as operadoras a suspenderem ou rescindirem os contratos de planos individuais e familiares inadimplentes há mais de 60 dias. Já para os contratos coletivos, a negociação deve ser realizada diretamente com as pessoas jurídicas contratantes.
Para tentar evitar o colapso do sistema público de saúde, em decorrência do inevitável aumento do número de atendimentos de beneficiários com contratos suspensos ou rescindidos, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.117/2020, que, pelo prazo de 90 dias, estabelece a vedação do reajuste das mensalidades durante o estado de calamidade pública, bem como a suspensão ou rescisão unilateral dos contratos de beneficiários inadimplentes.
Em que pese a justificável intenção do legislador, o referido PL carece do estabelecimento de critérios objetivos para cumprir o objetivo para o qual foi proposto, sem causar, contudo, um abalo na liquidez financeira das operadoras. Uma forma viável de conferir proteção aos beneficiários inadimplentes e, ao mesmo tempo, garantir a regularidade na prestação dos serviços pelas operadoras seria limitar as vedações previstas apenas para os beneficiários que puderem comprovar que a inadimplência decorreu da perda do emprego ou do comprometimento temporário da renda em virtude da crise causada pela pandemia.
Para trabalhadores formais dispensados sem justa causa ou que tiveram sua renda reduzida em no mínimo 25% após a decretação da pandemia pela OMS, em 11 de março, bastaria a apresentação de uma cópia do termo de rescisão do contrato de trabalho, do acordo de redução da jornada de trabalho e de salário ou do acordo de suspensão temporária do contrato de trabalho. Já para empresários individuais, trabalhadores autônomos ou informais, uma relação dos faturamentos dos últimos seis meses ou declarações comprobatórias de percepção de rendimentos emitidas por contabilistas já seriam suficientes, sempre considerando uma redução mínima de 25% da renda e a decretação da pandemia pela OMS como marco inicial.
Assim, além de não configurar interferência indevida do poder público na relação entre particulares, dado o objetivo de evitar o colapso do sistema público de saúde, o projeto de lei não constituiria violação ao princípio constitucional da igualdade, pois este deve ser interpretado sob seu aspecto material, tratando desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
De toda sorte, independentemente da aprovação do referido projeto de lei, as operadoras devem envidar esforços para manter ativos os contratos dos beneficiários inadimplentes dispostos a uma composição amigável, seja por meio de parcelamentos, seja pela prorrogação de prazos de vencimento, a fim de evitar o colapso do sistema público de saúde e o consequente agravamento da crise causada pela pandemia do coronavírus no Brasil.
Artigo escrito por Luiz Guilherme Buss, advogado do Departamento Corporativo do Marins Bertoldi Advogados.
Quer saber mais?
Nossa equipe está à disposição!