O Código Civil de 2002 fez constar expressamente de seu art. 421 que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. O texto legal foi recebido com grande entusiasmo. Algumas vezes com entusiasmo tão grande que foram construídas conclusões que extrapolam a mens legis.
O principal exagero hermenêutico, infelizmente por muitos reafirmado, vem no sentido de concluir que a norma acima referida teria legado o princípio da força vinculante dos contratos, também conhecido como pacta sunt servanda, a um passado a ser esquecido. Dentro desta linha de interpretação do sentido da função social dos contratos, estes passaram a ser tomados não mais como fontes de assunção de obrigações líquidas entre as partes, mas sim como meras declarações de intenções, plenamente passíveis de revisão sob o filtro da noção de justiça que orientar a mente do julgador a quem a ação de revisão for distribuída. Neste compasso, a força vinculante das avenças passou a ser vista como algo essencialmente negativo, que não guardaria relação com a propalada função social dos contratos.
O erro essencial desta tentativa de construção de uma nova teoria geral dos contratos reside na simplificação excessiva, produto da falsa premissa de que os contratos privados comportam uma principiologia única.
Há várias espécies de contratos, com distintas formas de interpretação. Um contrato de compra e venda de um imóvel, feito entre particulares, não pode ser interpretado da mesma forma que um contrato bancário, que se distingue de um contrato administrativo, bem como de uma relação contratual de natureza trabalhista. Em cada caso, a consecução da função social do contrato depende de uma compreensão de suas características essenciais, levando a resultados diversos.
Neste contexto, torna-se necessário compreender que nem todos os contratos assinados no âmbito da exploração de uma atividade empresarial são contratos de consumo. Quando um agente da atividade econômica, no exercício de sua atividade profissional, contrata com um destinatário final de seu produto ou serviço (consumidor), perfaz-se uma relação de consumo. Nesta, para que seja atingida a função social do contrato, torna-se necessária uma flexibilização na leitura das obrigações assumidas pelo consumidor. Partindo-se das premissas de que este é tecnicamente hipossuficiente, bem como de que o estímulo ao consumo (condição para o desenvolvimento econômico) depende da oferta de segurança negocial ao consumidor, pode-se concluir que o ordenamento jurídico deve afastar a possibilidade de o consumidor inadvertidamente assumir obrigações ocultas, ou excessivamente onerosas. Percebe-se, nesta simples análise, que a função social dos contratos de consumo somente pode ser atingida por meio da flexibilização do princípio da pacta sunt servanda.
Já quando um contrato é celebrado entre dois empresários, no exercício de suas atividades profissionais, não se podem aplicar os mesmos princípios que orientam a interpretação das relações de consumo. Também há dois fatores de natureza econômica que devem ser considerados, os quais levam a consequências absolutamente diversas das verificadas nas relações de consumo.
Inicialmente, deve-se ter em conta que a atividade empresarial depende vitalmente do acesso ao crédito, sendo este variável em relação à segurança oferecida aos concedentes deste crédito. Assim, o excesso de flexibilidade na interpretação dos contratos (fato que dificulta o recebimento dos créditos), eleva o risco médio imposto aos potenciais credores, o que torna o custo do crédito maior, assim como menor será a sua oferta, fatos que trazem reflexos negativos no campo da eficiência econômica.
Indo além, deve-se considerar que os empresários, no exercício de sua atividade, não podem ser reputados como tecnicamente hipossuficientes. Não se admite que um empresário, no exercício de sua profissão, não compreenda o conteúdo de uma obrigação assumida em um contrato. O direito não poderia proteger a incompetência no exercício de uma atividade profissional. Se o empresário não tem condições de compreender plenamente o conteúdo de uma avença, deve contratar um advogado, e não contar com uma posterior compreensão de seus erros por parte do Poder Judiciário.
Somando estes dois fundamentos de natureza econômica, podemos formular uma regra geral de interpretação dos contratos empresariais, a qual se mostra diametralmente oposta à regra geral de interpretação dos contratos de consumo. Podemos assim afirmar que, para que seja atendida a função social dos contratos celebrados entre empresários, deve-se interpretá-los de forma mais rígida, respeitando a pacta sunt servanda como instrumento de manutenção de um nível razoável de riscos envolvidos na atividade de concessão de crédito.
Por fim, deve-se destacar que esta regra comporta uma exceção, exsurgente de uma característica da economia brasileira. Grande parte de nossos empreendedores não opera suas atividades de maneira vocacionada, mas sim como forma de sustento de suas famílias em um contexto de pouca geração de empregos. A estes pequeníssimos empresários, evidentemente despreparados tecnicamente (e que merecem uma proteção bastante parecida com a oferecida aos trabalhadores em geral), não se pode aplicar a premissa de que os mesmos tenham pleno domínio do conteúdo das obrigações que assumem no exercício de sua atividade. Não se pode presumir, por exemplo, que pequenos comerciantes compreendam de forma completa os custos envolvidos nas operações bancárias em que necessariamente se envolvem. Tratam-se também de hipossuficientes técnicos, a quem deve ser oferecida a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais de difícil compreensão ou que se mostrem excessivamente onerosas.
Tal exceção, contudo, não afasta a necessidade de revisão da linha hermenêutica cujos divulgadores creem que o cumprimento da função social dos contratos é um corolário lógico do afastamento da pacta sunt servanda.
A manutenção desta linha de pensamento é um obstáculo ao desenvolvimento econômico do país. De acordo com o estudo Doing Business, anualmente produzido pelo Banco Mundial. No quesito “cumprimento de contratos”, o Brasil ocupa a 106.ª posição, entre 178 países pesquisados. Revelou-se que, para que se busque a satisfação judicial de uma obrigação contratual, são necessários em média 45 procedimentos, que consomem 616 dias e custam 16,5% da dívida. Esta é uma realidade nada animadora para aqueles que pensam em investir em nosso país.