Por que um acordo de acionistas?
Planos de Incentivo de Longo Prazo (“PILPs”) são estruturas muito utilizadas para a atração e retenção de pessoas estratégicas nas empresas.
É importante que um PILP baseado na entrega de participação societária, tal como os planos de stock options, conte com o apoio de um acordo de acionistas. Trata-se do principal documento na busca por um ambiente societário ordenado, estável e seguro, na medida em que formaliza os entendimentos havidos entre os acionistas a respeito de seus direitos e deveres.
Riscos jurídicos na ausência do acordo de acionistas
Se não existir a devida regulação, (i) o beneficiário do PILP poderá, a depender da natureza jurídica da sociedade, transferir, sem restrições, as suas ações a terceiro, que ingressará na companhia; (ii) os herdeiros do beneficiário, após o seu falecimento, poderão ingressar na companhia; (iii) o ex-cônjuge do beneficiário poderá ingressar na companhia, caso receba ações na partilha de bens decorrente de divórcio; (iv) credores poderão ingressar na companhia, caso o beneficiário dê suas ações em garantia que venha a ser executada; (v) o beneficiário terá direito de voto sobre matérias estratégicas e poderá ter acesso a documentos sensíveis; (vi) não será possível a recompra forçada das ações do beneficiário; (vii) eventual pagamento de haveres (indenização pela participação do sócio) poderá impactar significativamente a situação econômico-financeira companhia; entre outros riscos.
Temas a serem endereçados
Nesse sentido, é recomendável estabelecer regras sobre, por exemplo, os seguintes temas: (i) vedação ao ingresso de terceiros (falecimento, divórcio, dissolução de união estável, proibição na dação de ações em garantia, restrições à transferência de ações); (ii) transferência de ações; (iii) apuração e pagamento de haveres; (iv) exercício do direito de voto; e (v) recompra de ações.
São diversas as disposições que buscam evitar o ingresso de terceiros na companhia. É recomendável, em regra, vedar o ingresso de herdeiros, ex-cônjuges e ex-companheiros que receberam ações em razão do falecimento, divórcio ou dissolução de união estável do beneficiário. Assim, as ações recebidas por essas pessoas serão recompradas ou liquidadas conforme as regras de apuração e pagamento de haveres do acordo. Além disso, restrições à transferência de ações, como direito de preferência e direito de primeira oferta, privilegiam quem já é acionista, de forma que terceiros só possam adquirir ações da companhia em negociação caso os acionistas não o façam.
Ainda em relação à venda de participação societária, recomenda-se estabelecer a obrigação de venda conjunta (drag-along), para que os acionistas fundadores viabilizem a venda da totalidade das ações da companhia – incluindo a participação dos beneficiários. Não raramente, o interesse do adquirente é na totalidade do capital social da companhia, e não apenas nas ações dos fundadores, o que dá ao beneficiário poder sobre concretização da operação, pois, ainda que detentor de pequena participação, poderia impedir a venda da companhia. A cláusula de drag-along, portanto, dá aos acionistas controladores autonomia na decisão sobre a venda da companhia e previne, assim, comportamento oportunista dos beneficiários do plano. Eventualmente, é possível estabelecer no acordo, como um atrativo ao beneficiário (e como compensação pelo drag-along), a possiblidade de forçar a venda de suas ações em conjunto com os acionistas controladores (tag-along), caso estes recebam oferta de terceiro e não exerçam o drag-along.
Além disso, é importante definir regras para apuração e pagamento de haveres, caso seja necessário pagar o valor referente à participação do beneficiário. Para que a situação econômico-financeira da companhia não seja significativamente impactada pela liquidação das ações, é recomendável que o acordo preveja métodos de apuração dos haveres adequados à realidade do negócio, prazos para pagamento parcelado condizentes com a disponibilidade de caixa da companhia e a possibilidade do pagamento de parte dos haveres em bens. Esse conjunto de medidas tende a proteger de maneira eficiente e significativa a liquidez e a solvência da sociedade, em atenção ao princípio da preservação da empresa.
Adicionalmente, o acordo pode definir: (i) quóruns específicos para a aprovação das matérias sujeitas à aprovação dos acionistas, e (ii) a criação de um conselho (de administração ou consultivo, composto pelos acionistas fundadores ou pessoas por eles indicadas) para decidir sobre matérias mais importantes e estratégicas. Essas medidas representam boas práticas de governança porque aceleram a profissionalização da gestão (além de, indiretamente, poder garantir a manutenção do controle da companhia pelos acionistas fundadores).
Outro ponto a ser considerado é a manutenção do status de acionista pelo beneficiário. Recomenda-se que sejam listadas situações em que a recompra das ações do beneficiário pela companhia ou pelos controladores seja permitida, tais como: (i) falta de comprometimento do beneficiário (diante de situações objetivas e definidas, com critérios e condições razoáveis); (ii) violação ao acordo de acionistas ou ao estatuto social; (iii) saída do quadro de colaboradores/diretores da companhia; entre outros. A pertinência de cada situação deve ser avaliada conforme as características do plano em questão e do perfil da empresa.
Conclusão
O ingresso do beneficiário (ou seja, de um terceiro) na companhia é um evento que cria uma nova relação societária e, por isso, adiciona implicações de cunho patrimonial e de governança corporativa.
Embora a existência de um acordo não evite todo e qualquer conflito, reduz significativamente as chances de que ocorram, além de trazer segurança jurídica ao definir expressamente como tratá-los.
Nesse sentido, o acordo de acionistas elaborado de maneira cuidadosa, é um mecanismo essencial para a proteção do patrimônio social, assim como para a manutenção do controle da companhia com os acionistas originais.
Por João Valle Teixeira Busnardo