A Portaria PGFN n. 948/2017 estabelece o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade – PARR, com vistas à apuração de responsabilidade tributária de terceiros pela prática da infração à lei, especificamente a dissolução irregular de pessoa jurídica. Entretanto, após quase três anos de sua edição, percebe-se, recentemente, uma maior movimentação por parte da PGFN para instauração do referido procedimento administrativo, o que é preocupante pois, da forma como consignado na legislação em regência, há algumas nulidades que merecem atenção.
Primeiro ponto que se destaca é quanto a modificação pela PGFN do sujeito passivo de crédito tributário já constituído administrativamente, em manifesta afronta ao artigo 142 do Código Tributário Nacional. Isto porque, referido dispositivo é claro ao prever que compete privativamente à Autoridade Administrativa a identificação do sujeito passivo ao lançar o crédito tributário. Não por outra razão, a Súmula 392 do STJ veda a modificação do sujeito passivo da Execução Fiscal, na hipótese de substituição da Certidão de Dívida Ativa, pois se trata de correção de erro material.
Segundo ponto da Portaria é quanto a limitação ao exercício do direito constitucional ao contraditório e ampla defesa pelo contribuinte, já que prevê em seu artigo 4º, §2º que a impugnação deverá se limitar à discussão objeto do procedimento, vale dizer, exclusivamente no que tange aos elementos de sua responsabilização. À vista disso, cumpre questionar: se estamos diante da responsabilização do sujeito passivo por crédito tributário prescrito, por exemplo, a impugnação do contribuinte sequer será conhecida pela Autoridade responsável pelo julgamento por não se relacionar à responsabilização?
Inclusive, os aspectos inerentes à Autoridade responsável nos levam ao terceiro ponto.A Portaria determina que o recurso interposto face à decisão que rejeitou a Impugnação ao PARR será julgado pela própria PGFN. Isso significa que a PGFN é credora e julgadora ao mesmo tempo, o que, à evidência, coloca em xeque a imparcialidade da análise dos argumentos de defesa do contribuinte-impugnante.
Para além disso, verificou-se que na prática a execução do Procedimento se mostra igualmente infeliz. Isso porque, constatou-se, em mais de uma oportunidade, que a PGFN passou a notificar os supostos responsáveis pessoais para o pagamento do crédito tributário, mediante a instauração do PARR, em decorrência da mera inaptidão do cadastro CNPJ da sociedade, considerada pela PGFN como um “indício de sua dissolução irregular”.
Contudo, a situação de inaptidão do CNPJ da pessoa jurídica, além de não representar, sob qualquer perspectiva, a dissolução irregular da sociedade, trata-se de formalidade cadastral, cuja irregularidade, em alguns casos, pode ser temporária e posteriormente corrigida pelo próprio contribuinte (IN RFB 1863/2018), o que logicamente não implica no encerramento irregular das atividades pela sociedade. Além disso, para a responsabilização prevista no art. 135, III do CTN, é indiscutível a necessidade de comprovação das práticas pelo sócio/administrador previstas no referido artigo e não meros indícios, ônus que incumbe, exclusivamente, à PGFN.
Desta forma, a conclusão que se chega é a de que a promessa de conferir o direito de defesa ao Impugnante por meio do PARR – cuja própria instituição é controversa ante as nulidades inicialmente pontuadas –, para justificar a pretensão de responsabilização pessoal de sócios/administradores de empresas com base em meros indícios, contraria a proposta de ampliação da defesa do contribuinte, em verdadeira violação aos princípios da legalidade, segurança jurídica, contraditório e ampla defesa, corolários das garantias individuais.
Fernanda Luiza Tumelero é pós-graduanda pelo IBET e advogada tributarista do escritório Marins Bertoldi Advogados.