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Quem acha que a advocacia é uma profissão tradicionalista demais e avessa à inovação não entende o que é a advocacia. Nós, advogados, temos o dever de inovar.

Publicado em: 17 Aug 2017

É verdade que há um paradoxo quando se fala em inovação na advocacia. Afinal, inovar é sair da caixa. E o Direito busca o oposto: define as caixas e penaliza quem sai da caixa. Mas estas são definições simplistas demais. O Direito e a advocacia, na verdade, têm um fim maior, que, para ser alcançado, exige que se acompanhe a inovação, que se busque a inovação e que se garanta que a inovação siga os rumos mais adequados. E mais: o bom advogado é capacitado a inovar desde o início de seus estudos. O que se precisa, neste momento, é que esta capacidade se traduza mais em atitudes.

Como se pode afirmar que o Direito, ao mesmo tempo em que penaliza a inovação, os desvios às regras, tem o dever de inovar? Temos, como sempre, algumas questões básicas a serem respondidas: o quê, como e por quê? Comecemos pelo porquê. Qual o porquê da inovação, do Direito e da advocacia? Inova-se porque se busca evolução, porque se acredita que há formas melhores de se fazer as coisas. Cria-se o Direito e advoga-se porque se busca justiça, segurança e harmonia nas relações sociais.

Mas toda inovação é boa? Todo Direito é bom? Para responder esta questão, é necessário aprofundar nos conceitos de inovação, de Direito e de advocacia. Fala-se muito em inovação atualmente. Em geral, como algo bom, como um objetivo a ser estabelecido e alcançado. As empresas mais inovadoras ostentam este reconhecimento com orgulho. Mas a inovação é gênero. Significa novidade. Pode ser boa ou ruim. Pode ser uma evolução ou uma involução. Perceba-se, entretanto, que, embora nem toda inovação signifique evolução, toda evolução necessariamente implica uma inovação. Evolução implica mudança. Não há como evoluir sem abandonar um estado de inércia, apenas conservando o estado em que se vive.

O Direito, de fato, está relacionado à criação de regras. Regras que limitam a atuação das pessoas, impondo penalidades aos desvios. E os advogados atuam de modo a garantir que as regras sejam aplicadas da forma adequada. Mas estes são meios. Será que estes meios são o que define o Direito e a advocacia? Ou o Direito e a advocacia são definidos pelos fins já apresentados?

O Direito não pode ser reduzido ao Direito positivado. Lembre-se que a própria Constituição da República do Brasil prevê a advocacia como indispensável à administração da justiça, não como meros guardiões da lei positiva. Portanto, se a inovação é necessária à evolução e à melhoria das relações sociais, é também dever do advogado não apenas contribuir para que o Direito se adapte a fim de que a justiça esteja presente nas inovações geradas pela sociedade, mas, principalmente, inovar de modo a apresentar à sociedade soluções que lhe gerem mais e maiores conquistas.

Mas estaria o advogado capacitado a conduzir tais inovações? São comuns a crítica ao ensino jurídico e a imagem do advogado alheio à inovação. Mas que ferramentas são necessárias à inovação?

Murilo Gun, empreendedor, comediante e palestrante, relaciona a inovação à criatividade. Após um período de estudo na Singularity University, na Nasa, ele passou a palestrar e oferecer aulas sobre o tema. Segundo ele, a criatividade é uma característica inata de todas as pessoas. E isto fica evidente quando as crianças passam pela fase de questionar tudo. Mas nós, advogados, também desenvolvemos esta característica no exercício da profissão. Afinal, o que fazemos ao redigir peças processuais, apresentando e contrapondo argumentos, ou ao elaborar contratos e prestar as mais variadas consultorias senão questionamentos, dos mais simples aos mais profundos?

Murilo Gun não se limita a incentivar o questionamento. Ele sugere a busca por experiências diferentes e leituras de materiais relacionados a áreas completamente diferentes. Charles Duhigg, em seu livro “Mais Rápido e Melhor” (Editora Objetiva, 2016), também sugere que a inovação surge da combinação entre ideias antigas, com o aproveitamento de experiências e soluções antigas verificadas em determinados contextos, para a aplicação em contextos e problemas diferentes e atuais. Este intercâmbio de conhecimentos entre diferentes áreas de estudo é também uma característica necessária para qualquer bom jurista. Afinal, o Direito sempre guardou relação estreita com diversas outras áreas. Não à toa, os cursos de Direito abrangem lições de história do Direito, filosofia jurídica, sociologia, economia política, etc. Nossa busca por justiça será sempre falha se ignorarmos estas áreas. Logo, podemos afirmar que somos preparados desde o início de nossa graduação a inovar. Ou, ao menos, iniciamos o percurso de meio caminho.

Tais ensinamentos, de forma solitária, não bastam à inovação. Primeiramente, porque, embora seja-nos necessário o conhecimento do Direito, da filosofia, da economia, da política, da sociologia e da história, estes são os contextos aos quais já aplicamos o Direito ou nos quais nos baseamos para a construção do Direito. Conforme o que sugere Duhigg, a inovação não surge da simples contextualização e do conhecimento de diversas áreas, mas da combinação improvável de suas ideias. Para tanto, é preciso pensar. Lembre-se também, portanto, dos dez mandamentos do advogado, conforme postos pelo advogado uruguaio Juan Eduardo Couture Etcheverry e reconhecidos internacionalmente. Eles também admitem a constante transformação do Direito (conforme primeiro mandamento), reconhecem a necessidade de se pensar (segundo mandamento) e elegem a justiça como prioridade quanto em conflito com o Direito positivado (quarto mandamento).

No Brasil, por exemplo, inclusive no Estado do Paraná, alguns juízes estão inovando na solução de conflitos, especialmente em Varas de Família, Infância e Juventude combinando a aplicação da lei com técnicas e terapias estudadas pela psicologia a partir da década de 70. A Justiça Restaurativa é incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça e a Constelação Familiar tem conquistado a atenção do Poder Judiciário a partir de seu uso pelo Juiz Sami Storch, da 2ª Vara de Família de Itabuna (BA), com elevado índice de sucesso nas conciliações. Nestes exemplos, os conhecimentos da área da psicologia não serviram meramente para uma análise jurídica da sua legalidade e/ou regulação. Serviram como fonte de inspiração para sua combinação aos procedimentos de conciliação no Poder Judiciário, oferecendo soluções eficientes na busca por harmonizar as relações humanas.

Ademais, a busca de conhecimentos em outras áreas não deve se limitar às áreas mais óbvias e já exploradas por outros advogados. Como observa Peter Thiel em seu livro “De Zero a Um”, a maior parte dos profissionais e das empresas segue um padrão de focar na concorrência em vez de focar no mercado. O resultado é a abundância de produtos e serviços semelhantes, sem diferenças significativas. As maiores inovações surgirão não da observação de tendências entre os colegas de profissão, mas sim da observação dos problemas a serem resolvidos e das mais simples soluções inspiradas em contextos inusitados.

Mas recebemos tantos preparos para inovar e aceitamos a missão de colaborar na administração da justiça e das relações sociais, por que mantemos o estigma de conservadores e tradicionalistas e não apresentamos mais soluções inovadoras? Basta-nos mais atitude. Atitude no aprofundamento dos estudos no Direito e em outras áreas, atitude nos pensamentos, nos questionamentos e, principalmente, nas execuções. Richard Susskind, renomado advogado futurista, estudioso das tendências da profissão, observou em recente palestra (disponível em https://www.youtube.com/watch?v=wMea0GdgA5Y) que já há muitos artigos sobre inovação, mas pouca ação, pouco engajamento e senso de urgência de advogados na construção das mudanças que ofereçam melhores resultados à sociedade. Temos que falar menos e conduzir mais inovações. Inovações que alcancem o fim maior do Direito. E que o alcancem de forma mais eficaz e eficiente.

A advocacia, portanto, não é simplesmente a interpretação e a defesa da observância de regras. A advocacia é a luta pela evolução rumo à justiça. E evolução só se alcança por meio da inovação. Somos todos capacitados e orientados a seguir este fim. Precisamos agora assumir esta incumbência e realizar transformações rumo a um mundo melhor.

 

Maurício Ribeiro Maciel, advogado membro do escritório Marins Bertoldi Sociedade de Advogados.

Artigo publicado pela Revista da Ordem dos Advogados do Brasil – PR.

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