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Segurança jurídica em tempos de juros altos no agronegócio: “follow the money”

Publicado em: 03 Nov 2025

Por Rafaela Parra

O atual cenário de juros altos muda a ordem das prioridades para produtores rurais, cooperativas e agroindústrias. A ordem é clara: caixa, garantias e governança. No ambiente de negócios, visto a escassez de recursos e a baixa régua de risco dos investidores, o crédito deixa de ser “commodity” e volta a ser prêmio: flui para quem comprova capacidade de pagamento e lastro real. Para o agro, isso significa revisar contratos, reforçar garantias e tratar compliance e ESG como filtros de crédito, não apenas imagem e reputação.

Follow the money aqui tem sentido jurídico: primeiro é entender como a liquidez circula após a alta de juros e, depois, como a jurisprudência redesenha cenários e pode criar segurança nas operações. Um exemplo é a jurisprudência consolidada do STJ sobre a recuperação judicial, o efeito sistêmico é claro: quem tem balanço saudável compra tempo — e mercado.

No plano contratual, o marco das garantias (Lei 14.711/23) ampliou instrumentos para reduzir custo do crédito, gerando uma execução mais eficiente e maior previsibilidade do enforcement. No agro, isso se encontra com a exigência de registro/depósito centralizado das CPRs. O resultado prático foi menos litígio sobre validade do título e mais poder de barganha para quem estrutura corretamente. E isso é apenas uma fatia das possibilidades contratuais do setor.

O agronegócio se articula em uma pluralidade de instrumentos: contratos de integração (na avicultura e suinocultura), arrendamentos e parcerias regulados pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), arrendamento mercantil, contratos empresariais atípicos que combinam fornecimento, barter e opções de preço, além das novas figuras contratuais ligadas à governança socioambiental e ao mercado de carbono. Cada modelo traz riscos próprios e exige leitura jurídica vinculada a questões patrimoniais, societárias, tributárias e até sucessórias, porque uma cláusula mal desenhada pode significar entrave presente e futuro.

O assunto queridinho do momento, a Reforma Tributária, entrou em fase de regulamentação: o novo IBS/CBS redesenha créditos, alíquotas e incentivos. Para cadeias agroindustriais, a agenda é dupla: refazer o mapeamento de valor (acúmulo/estorno de créditos, regimes específicos) e recontratar riscos tributários nas operações com cooperativas, insumos e varejo. Ignorar isso pode produzir um “tarifaço tributário” sobre margens já pressionadas e sempre apertadas no setor, principalmente para os produtores rurais.

E quando falamos de agro, não se pode esquecer que a cadeia é grande e interconectada. Energia, insumos, armazenamento e logística também pressionam. Novamente os juros altos ditam as regras. Armazenagem comprometida pela produção recorde e inviabilidade de se construir novos silos nas propriedades rurais por falta de capacidade financeira é realidade no Mato Grosso.

A discussão pública sobre o “tarifaço” dos EUA — e sua repercussão no custo Brasil — entra na planilha de risco: gatilhos de reajuste, renegociação por onerosidade excessiva e seguros de preço voltam ao radar. Cláusulas bem desenhadas evitam disputas desnecessárias e preservam relações em cadeias interdependentes. Em tempos de alta volatilidade, nunca o campo jurídico foi tão necessário à higidez do setor.

No contencioso, o recado é pragmático: execução qualificada de garantias; stay period usado para resolver (não adiar); recuperação extrajudicial onde fizer sentido; reestruturações empresariais e arbitragem para disputas societárias com impacto de caixa.

No campo fértil das fusões e aquisições – M&A, a lógica de valuation mudou: há prêmio para compliance vivo e para ativos com risco jurídico previsível. Portanto, não há muito para onde correr ou como maquiar a realidade ao realizar due diligence.

Agora um tema que bato há anos. ESG deixou de ser vitrine e virou elegibilidade de crédito, ou, como costumo dizer, ESG é dinheiro e deve ser encarado sob o prisma da resiliência financeira, basta acompanhar as regulações do Green Grain Protocol e da European Union Deforestation-Free Regulation (EUDR), quem não enxerga isso, se afasta da realidade (e da gestão de riscos). Toda a recente discussão sobre a Moratória da Soja só confirma esse ponto de vista.

O marco do mercado regulado de carbono (SBCE) inaugura oportunidades (biometano, biomassa e etc), mas exige governança de dados e medição robusta. Sem contabilidade séria de emissões e titularidade clara de créditos, o ativo climático desvaloriza no closing. Isso sem esquecer que, no contencioso, o “ativo carbono” já está virando passivo em ações civis públicas por desmate ilegal, principalmente em regiões no norte do país e na promissora região do MATOPIBA, por conta da Resolução 433/2021 do CNJ. Essas regras mostram que, sem conformidade socioambiental, o grão não embarca — seja no mercado interno, seja na exportação.

Diante disso, patrimônio e sucessão completam o quadro de assuntos a serem observados nesta trilha que envolve a atividade jurídica. Holdings familiares com protocolos de governança, cláusulas de incomunicabilidade e acordos de sócios bem desenhados blindam o negócio de disputas e aceleram decisões em momentos de estresse — o que, em juros altos, vale dinheiro, não só em operações de mercado, mas, também, nas familiares.

Fica claro que o agronegócio não é para amadores. A sofisticação do setor nos últimos anos é colírio para os olhos da globalização. Em síntese, segurança jurídica, hoje, é estratégia de capital: quem organiza contratos, garantias, tributos, ativos ambientais e governança captura o crédito escasso, compra tempo e, frequentemente, compra mercado. O caminho é claro no agronegócio: “é bem sucedido quem é bem assessorado.”

Publicado originalmente: https://agropujante.com.br/juros-altos-credito-governanca-agro/

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