Por Ana Caroline Ferreira e Gabriela Marugal M. Rodrigues
A Reforma Tributária sobre o Consumo, estabelecida pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, introduziu um novo modelo de arrecadação inspirado no Imposto sobre Valor Agregado (IVA), adotado em diversos países. Seu principal objetivo é promover a simplificação e a unificação da tributação sobre o consumo de bens e serviços.
No Brasil, essa mudança se dará por meio do IVA Dual, composto por dois tributos distintos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal, e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal. A transição para esse novo sistema ocorrerá de forma gradual, com início em 2026 — quando terão início os testes de alíquotas — e conclusão prevista para 2033, quando a nova estrutura estará plenamente vigente.
Entre as mudanças mais relevantes está a substituição dos tributos atuais: o ICMS e o ISS darão lugar ao IBS, enquanto o PIS, a COFINS e o IPI serão extintos para a entrada da CBS. Essa reconfiguração trará efeitos significativos para diversos setores da economia, sendo o mercado imobiliário um dos setores que terão grandes impactos.
Conhecido por sua complexidade e pelas particularidades de suas operações, o setor imobiliário será diretamente impactado. A construção civil, por exemplo, hoje sujeita à incidência de ISS, PIS e COFINS, terá de se adaptar a uma nova lógica de tributação. Além disso, contribuintes que possuem regimes específicos como o Regime Especial de Tributação (RET) para incorporações imobiliárias, e operações que não permitem o aproveitamento de créditos fiscais, também levantam dúvidas relevantes quanto ao novo modelo de tributação.
- Aproveitamento integral dos créditos relativos aos tributos pagos nas etapas anteriores
Um dos pilares da Reforma Tributária é a adoção da não cumulatividade ampla. Esse princípio garante que os tributos incidam apenas sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva, possibilitando o aproveitamento integral dos créditos referentes aos tributos pagos nas fases anteriores.
Para o setor imobiliário, essa mudança representa um avanço significativo. Com a nova sistemática, os tributos pagos sobre insumos poderão ser compensados com o valor do IBS e da CBS devidos nas operações de venda de imóveis e na prestação de serviços de construção civil, por exemplo.
- Alíquotas IBS e CBS
Considerando as especificidades do setor imobiliário, a Reforma Tributária prevê um regime diferenciado para as operações envolvendo bens imóveis, contemplando atividades como incorporação, loteamento, construção, administração e intermediação imobiliária, conforme disposto nos artigos 262 e seguintes da Lei Complementar nº 214/2025.
Dentro desse regime específico, estão previstos redutores de alíquota em relação às alíquotas-padrão do IBS e da CBS. Essa medida busca mitigar os impactos da tributação no setor, reconhecendo sua complexidade operacional e a relevância econômica dessas atividades, além de preservar a viabilidade financeira dos empreendimentos imobiliários frente ao novo modelo tributário.
As operações com bens imóveis, que englobam atividades como alienação, cessão de direitos reais, locação, arrendamento e serviços de construção civil – entre outras –, terão uma redução de 50% na alíquota do IBS e da CBS. Já para as atividades de locação, cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis, a redução será ainda maior, alcançando 70% nas alíquotas do IBS e da CBS.
Nesse cenário, caso se confirme a alíquota de referência do IBS/CBS no patamar de 28% — valor ainda pendente de definição —, as operações com imóveis em geral, como a alienação, estarão sujeitas a uma carga tributária efetiva aproximadamente de 14%. Já as locações e demais atividades beneficiadas com redutor maior terão uma carga efetiva aproximadamente de 8,4%.
Além disso, a Lei Complementar em análise também estabelece um regime específico para determinadas operações com imóveis, prevendo dois redutores aplicáveis exclusivamente a contribuintes do regime regular do IBS e da CBS:
- Redutor de ajuste, que permite a redução da base de cálculo nas operações de venda de bens imóveis, funcionando como uma forma de simular o aproveitamento de créditos; e
- Redutor social, que prevê a dedução de R$ 100.000,00 na venda de imóvel residencial novo e de R$ 30.000,00 na venda de lote residencial. Esses valores podem ser abatidos da base de cálculo, até seu limite, após a aplicação do redutor de ajuste.
- RET (Regime Especial de Tributação)
Os contribuintes que possuem os benefícios do RET (Regime Especial de Tributação), instituído pela Lei Federal nº 10.931/04, também terão impactos decorrentes da Reforma Tributária.
Atualmente, se preenchidos os requisitos constantes na legislação, o RET concede às incorporações imobiliárias a unificação do pagamento de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS com redução da alíquota, que são de 1% para projetos de incorporação de imóveis residenciais de interesse social e em 4% para os demais empreendimentos.
Para fins de repartição de receita tributária o percentual de 1% (um por cento) é distribuído da seguinte forma:
- I – 0,44% (quarenta e quatro centésimos por cento) como COFINS;
- II – 0,09% (nove centésimos por cento) como PIS/Pasep;
- III – 0,31% (trinta e um centésimos por cento) como IRPJ; e
- IV – 0,16% (dezesseis centésimos por cento) como CSLL.
O percentual de 4% (quatro por cento) é distribuído da seguinte forma:
- I – 1,71% (um inteiro e setenta e um centésimos por cento) como COFINS;
- II – 0,37% (trinta e sete centésimos por cento) como PIS/Pasep;
- III – 1,26% (um inteiro e vinte e seis centésimos por cento) como IRPJ; e
- IV – 0,66% (sessenta e seis centésimos por cento) como CSLL.
Com a extinção das contribuições ao PIS e à COFINS, surge o debate sobre a continuidade do Regime Especial de Tributação (RET) aplicável às incorporações imobiliárias.
Diante disso, a Lei Complementar nº 214/2025 estabelece que as incorporações que optarem pelo regime até 31 de dezembro de 2028, haverá incidência da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) à alíquota reduzida de 2,08% e para os imóveis classificados como de interesse social, será de 0,53%.
Importante destacar que, durante a vigência do RET, será vedada a apropriação de créditos de IBS e CBS relativos às aquisições vinculadas à incorporação submetida ao regime de patrimônio de afetação. Além disso, ficam impedidas a dedução do redutor de ajuste previsto no art. 257 e do redutor social do art. 259 da Lei Complementar nº 214/2025, nas operações de alienação de imóveis resultantes de incorporações realizadas sob esse regime.
Adicionalmente, o adquirente que estiver submetido ao regime regular do IBS e da CBS não poderá se creditar dos tributos pagos na aquisição de imóveis provenientes de incorporações tributadas pelo regime especial.
A partir de 1º de janeiro de 2029, as incorporações imobiliárias deixarão de se beneficiar do RET para fins de CBS e IBS e passarão automaticamente ao regime regular desses tributos, o que poderá resultar em aumento da carga tributária sobre essas operações.
No que se refere ao IRPJ e à CSLL, o RET continuará vigente mesmo após 2029, até que nova legislação venha a disciplinar especificamente esses tributos. Nesse período, seguirá aplicável a alíquota total de 1,92% sobre a receita, sendo 1,26% destinada ao IRPJ e 0,66% à CSLL. Para os imóveis classificados como de interesse social, a alíquota será reduzida para 0,47%.
Operações praticadas por pessoas físicas
A Lei Complementar nº 214/2025 não tem por objetivo onerar pessoas físicas que realizem operações com imóveis em caráter não comercial. Para tanto, estabelece limites que excluem da incidência do IBS e da CBS determinadas situações envolvendo locação e venda de imóveis por pessoas físicas.
De acordo com a nova legislação, não serão considerados contribuintes do IBS e da CBS os proprietários pessoas físicas que, no ano-calendário anterior:
- Tenham obtido receita com locação, cessão onerosa ou arrendamento de imóveis inferior ou igual a R$ 240.000,00 (o equivalente a R$ 20.000,00 por mês), valor que será atualizado mensalmente pelo IPCA; e
- Não tenham exercido essas atividades com mais de 3 (três) imóveis distintos.
Do mesmo modo, não haverá incidência do IBS/CBS quando a pessoa física realizar a venda de até três imóveis distintos no mesmo ano, ou na alienação de um único imóvel construído pelo próprio alienante nos cinco anos anteriores à data da venda.
Além disso, a pessoa física será considerada contribuinte do regime regular do IBS e da CBS, ainda que no próprio ano-calendário, se realizar alienações ou cessões que ultrapassem os limites mencionados, ou se a receita obtida com locação, cessão onerosa ou arrendamento exceder em 20% o limite anual de R$ 240.000,00 — ou seja, ultrapassar R$ 288.000,00.
Portanto, com todas essas mudanças, é certo que o setor imobiliário passará por uma fase de grandes transformações. A nova sistemática tributária traz não só regras mais complexas, mas também oportunidades para quem estiver preparado. Incorporadoras, construtoras e profissionais do setor precisarão se adaptar a uma nova forma de lidar com tributos, mais técnica e estruturada. Por isso, mais do que nunca, será fundamental acompanhar de perto as regulamentações, revisar estratégias e buscar orientações especializadas.
A Equipe de Direito Tributário do Marins Bertoldi Advogados está à disposição para auxiliar seus clientes na interpretação das novas regras, no planejamento tributário adequado e na adoção de medidas que assegurem segurança jurídica e eficiência fiscal neste novo cenário.