Por Mônica Radaelli Carpes Neiva e Maria Isadora De Faveri Marquesine
A Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei n.° 11.101/2005), em seu art. 49, dispõe que todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, estão sujeitos à recuperação, excetuando alguns casos, entre eles, no § 3º do art. 49, os créditos garantidos por propriedade fiduciária.
Entre as modalidades de propriedade fiduciária está a cessão fiduciária de direito creditórios. Trata-se de um mecanismo de garantia que ocorre por meio de contrato, no qual o devedor transfere ao credor direitos creditórios ou bens como garantia de uma dívida. No entanto, essa transferência é resolúvel, ou seja, o credor mantém a propriedade fiduciária do bem ou direito até que a dívida seja quitada, momento em que o devedor recupera sua plena titularidade.
Por essa razão, os bens objeto de garantia fiduciária não integram o patrimônio da empresa em recuperação, de modo que, a rigor, esses créditos não estão sujeitos ao plano de recuperação e às condições impostas pela negociação coletiva entre credores e devedor. Nesses casos, prevalecem os direitos de propriedade do credor fiduciário sobre o bem ou direito cedido, bem como as condições contratuais originalmente pactuadas entre o cedente e cessionário.
Entretanto, há certos requisitos que precisam ser cumpridos para que os créditos com garantias de cessão fiduciária não se sujeitem à Recuperação Judicial. Em recente julgado (AgInt no REsp 2.042.014-RJ) da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a relatoria do Ministro Moura Ribeiro, por unanimidade, ficou estabelecido que, não há necessidade de prévio registro do contrato de cessão fiduciária no domicílio do devedor. Contudo a mera menção do crédito no “borderô” bancário não é suficiente para configurar a garantia, sendo necessária uma determinação mínima do objeto cedido.
No caso apreciado pelo STJ, o contrato de cessão fiduciária fazia apenas uma referência genérica aos créditos listados no “borderô”, sem qualquer detalhamento que tornasse o crédito identificável. Diante dessa ausência de determinação, os créditos foram incluídos na recuperação judicial como quirografários, ou seja, além de estarem sujeitos ao plano de recuperação judicial não têm preferência em relação aos demais credores.
Dessa forma, o acórdão afirmou que não há se falar na necessidade de discriminação individualizada de todos os títulos representativos do crédito para perfectibilizar o negócio fiduciário, mas de sua determinação, ao menos em espécie enquanto recebíveis em garantia (duplicata, cheque pós-datado, cartão de crédito etc.).
Para os fins do art. 49, § 3º da Lei n. 11.101/2005, é necessário um critério mínimo de determinação dos créditos garantidos, até porque o “borderô” poderá espelhar realizações de ativos não necessariamente relacionados à atividade produtiva da empresa (alienação de bens não garantidos, por ex.), sobre os quais terceiros (demais credores da recuperanda) terão interesse em acompanhar.
Por isso, concluiu-se que o contrato de cessão fiduciária de recebíveis não poderá versar sobre bem indeterminado, mas poderá recair sobre objeto determinável (CC, art. 104, II). E, nesse sentido, a identificação dos bens deverá ser a mais específica, dentro do possível. O acórdão supramencionado ainda não transitou em julgado, tendo o credor interposto Embargos de Divergência. Não obstante, considerando o entendimento jurisprudencial do próprio STJ sobre o tema, não há grande expectativa de alteração do julgamento.
A garantia fiduciária é um importante instrumento aos credores que pretendem se proteger em relação à insolvência de seus devedores e à sujeição à recuperação judicial, que pode terminar em condições com deságio altos e parcelamentos longos. Entretanto, para que a garantia atinja esse objetivo é importante que o credor esteja bem assessorado para que os requisitos legais aplicáveis a cada modalidade de garantia constituída sejam observados.