Por Vinícius Encinas Paz
Na esteira das diversas novas regras introduzidas no ordenamento pela Lei Complementar 214/2025, que disciplina a Reforma Tributária sobre o consumo, é chegado o momento em que cada setor da economia busca avaliar o impacto das alterações em suas operações. A simplificação da tributação sobre a produção e o consumo, com a substituição do ICMS, do IPI, do PIS, da COFINS e do ISS, pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), e pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), bem como a introdução do novo Imposto Seletivo, exige uma análise detalhada sobre como os novos tributos afetarão a carga tributária e a competitividade dos mais variados segmentos.
Para além das hipóteses de incidência dos novos tributos criados, certamente o maior impacto poderá ser sentido por aquelas atividades econômicas que atualmente possuem regimes de tributação favorecidos e, que a partir da implementação total da Reforma Tributária, não mais poderão contar com subvenções nos mesmos moldes, inclusive por ter sido este um dos enfoques das mudanças promovidas, com a exceção daqueles segmentos com previsão de regimes diferenciados na própria Lei Complementar 214/2025. Destaca-se entre aquelas atividades impactadas, toda a cadeia automotiva, que representa grande fatia da indústria nacional. Atualmente, existem 491 fábricas de autopeças instaladas no Brasil [1], em diversos Estados, principalmente nas regiões Sul e Sudeste.
As atividades do segmento de autopeças, que são tributadas ICMS e pelo IPI, além da contribuição ao PIS e a COFINS, inclusive pelo regime concentrado monofásico das contribuições, possuem cargas tributárias que podem variar de acordo com o local onde estão estabelecidas as indústrias, para o caso do ICMS e dos benefícios concedidos por cada Unidade da Federação, mas também pela suspensão do IPI sobre determinados itens, como nas operações que destinem mercadorias à industrialização.
A partir das alterações promovidas pela Reforma Tributária, e com a projeção de que a alíquota padrão de IBS e CBS, na forma do IVA Dual, pode chegar a aproximados 28%, para setores não enquadrados nos regimes favorecidos ou com alíquotas reduzidas, alguns contribuintes fabricantes de autopeças podem sentir um aumento na carga tributária total, em comparação com a atual. Em contraponto a isso, há a promessa do legislador de que os novos tributos se valerão da dita não-cumulatividade plena, em que a base de créditos possíveis de aproveitamento será maior que a atualmente permitida nas legislações vigentes.
Despesas que atualmente não geram direito aos créditos de ICMS, por serem consideradas despesas de uso e consumo, por exemplo, não mais desta forma serão tratadas para o IBS e da CBS, de acordo com a Lei Complementar 214/2025 (art. 57, §3º), o que pode representar possibilidade de apropriação de créditos dos novos tributos, como nos casos de uniformes, EPIs, alimentação oferecida em refeitórios, serviços de saúde e creche disponibilizados durante a jornada de trabalho, bem como gastos com plano de saúde, vale-transporte, vale-refeição e auxílio-educação poderão ser creditados, desde que previstos em convenção coletiva de trabalho.
Outro ponto a se considerar, é o fim do Regime de Substituição Tributária (ST), nos moldes do que é atualmente aplicado para o ICMS, cujo cálculo é feito a partir de uma margem de valor agregado, que torna o fabricante responsável pelo recolhimento imposto devido por toda a cadeia de consumo nas operações de revenda de peças. Com a extinção do regime de substituição tributária, os fabricantes de autopeças deixarão de ter a obrigação de majorar as bases de cálculo dos tributos, o que pode representar diminuição da carga incidente, e resultar em aumento de margens de lucro, bem como melhoria no fluxo de caixa.
Cumpre destacar, que o recolhimento do IBS e da CBS sempre será devido para a Unidade da Federação de destino das mercadorias. Isso significa que os tributos serão recolhidos no local de consumo do produto ou serviço, em vez de serem arrecadados no local de produção. Esse novo modelo impacta significativamente a logística das empresas, que precisarão adaptar suas estratégias fiscais e operacionais para otimizar a distribuição de mercadorias e minimizar custos tributários. Além disso, o fisco terá que estabelecer mecanismos eficientes de repasse da arrecadação aos Estados, garantindo que os Entes Federativos recebam corretamente os tributos devidos, o que poderá exigir maior controle e monitoramento das transações comerciais.
Fundamental, também, é considerar que a cadeia de autopeças é extremamente globalizada, altamente dependente de importações, bem como, responsável por parte das exportações feitas pelo Brasil. Consta da Lei Complementar 214/2025, que o IBS e a CBS incidirão sobre as importações, com a alíquota praticada para o mesmo bem ou serviço em território nacional, sendo devido para a Unidade da Federação que represente o local de entrega dos bens ao destinatário final. O importador poderá apropriar créditos do IBS e da CBS pagos no desembaraço aduaneiro, contudo, tais bens ou serviços devem ser utilizados em atividades sujeitas à tributação.
Por sua vez, em relação às exportações, foi garantida na Lei Complementar 214/2025 a imunidade do IBS e da CBS, nestas operações, observando as vedações existentes até o momento na nova legislação, ao creditamento dos tributos cobrados nas etapas anteriores.
Vale destacar o estabelecimento do regime para o setor automotivo, voltado aos projetos de produção de veículos elétricos e híbridos, de empresas instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que prevê a concessão de crédito presumido da CBS, até 31 de dezembro de 2032. O cálculo do benefício é feito mediante a aplicação de percentuais estabelecidos na Lei Complementar 214/2025, e que variam de 11,60%, até o 12º mês de fruição, a 8,70%, do 49º ao 60º mês de fruição, sobre o valor das vendas no mercado interno. Além disso, os benefícios fiscais concedidos às empresas localizadas na Zona Franca de Manaus continuarão em vigor, mas serão implementados mecanismos compensatórios para o IBS e a CBS, como créditos presumidos, que substituirão os incentivos dos tributos extintos.
Há, ainda, a instituição do Imposto Seletivo, que será exigido sobre os produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como os automóveis. Considerando que sua exigência será sobre o produto da cadeia automotiva, a indústria de autopeças pode não ser impactada pelo novo imposto.
Tem-se, portanto, um cenário que exigirá do setor de autopeças, planejamento e robusta avaliação de sua operação, inclusive logisticamente, para que sejam tomadas as melhores decisões. Atenção especial aos impactos que a nova carga tributária do IBS e da CBS podem gerar, tanto para as compras, quanto para as vendas de suas mercadorias produzidas, tornam-se ainda mais relevantes, uma vez que o IBS e a CBS são tributos calculados à parte do preço, “por fora”. Neste sentido, a busca por projeções, com simulações de tributação de acordo com as NCMs de cada item, pode ser realizada considerando o momento de transição para o novo regime a partir de 2026, no caso da CBS. Ainda que pontos fundamentais estejam pendentes de regulamentação pelo fisco, a preparação para o futuro, a partir do que já se tem, pode ser a chave para um bom planejamento. Neste sentido, o time de Direito Tributário do Marins Bertoldi está totalmente preparado para oferecer o melhor assessoramento, e continuará acompanhando todos os desdobramentos relacionados ao tema.
[1] Fonte: Anuário da Anfavea (2024).