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The Succession Crisis in Japan’s Traditional Companies: A Global Lesson in Corporate Heritage and Governance

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Publicado em: 29 Apr 2025

Por Rafael Gonçalves de Albuquerque

O Japão vive, neste momento, uma das maiores crises de sucessão corporativa da sua história — um desafio que transcende o planejamento familiar e atinge diretamente a governança de empresas centenárias, especialmente nos setores tradicionais, onde o conhecimento técnico e cultural é transmitido entre gerações de forma quase artesanal.

Segundo levantamento de 2024, mais da metade das empresas japonesas (52,1%) ainda não identificaram um sucessor claro para sua gestão. A Agência de Pequenas e Médias Empresas estima que até 2025, aproximadamente 1,27 milhão de líderes empresariais com mais de 70 anos permanecerão sem herdeiros administrativos. Isso representa um terço das PMEs do país. As consequências econômicas projetadas são significativas: 6,5 milhões de empregos podem desaparecer, somando-se a uma retração de cerca de 22 trilhões de ienes no PIB japonês.

Essa situação não diz respeito apenas à continuidade operacional — trata-se de uma crise de legado, de falha na institucionalização da governança e na preservação do capital simbólico dessas empresas. A erosão é ainda mais severa nas chamadas indústrias tradicionais, como o artesanato e a manufatura de técnicas seculares. O número de profissionais ativos nessas áreas caiu de 280 mil (1983) para cerca de 60 mil em 2016. A produção do setor também despencou: de 540 bilhões para 96 bilhões de ienes. Para agravar o cenário, o Japão registrará em 2024 mais de 145 falências de empresas com mais de um século de história.

Governança de Transição: Ações Estruturantes em Nível Nacional

Diante desse risco sistêmico, o governo japonês tem articulado medidas com forte componente de governança pública para estimular a continuidade empresarial. Uma delas é a criação de plataformas de “matching” de sucessores, operadas por instituições públicas e privadas. São programas que visam conectar fundadores em fase de transição com empreendedores, profissionais corporativos e investidores dispostos a assumir a condução dessas empresas.

Entre os mecanismos mais relevantes estão:

• Programa de Apoio à Sucessão Regional: atua em parceria com prefeituras para identificar empresas em risco de descontinuidade e buscar sucessores aptos.

• Empreendedores da Revitalização Regional: estimula executivos de grandes centros urbanos a migrarem para o interior, com o objetivo de reerguer negócios locais.

• Programa de Revitalização com Talentos Urbanos: conecta profissionais de grandes cidades com empresas tradicionais, numa lógica de sucessão associada à inovação.

• Projeto Local 10.000: oferece capital semente e apoio institucional para startups que herdam ou absorvem negócios familiares.

Expansão de Mercado e Valorização de Intangíveis

Outro ponto estratégico é o reposicionamento de mercado desses produtos, não apenas como mercadorias, mas como ativos culturais com alto valor agregado. A National Traditional Industry Succession Support atua diretamente nessa frente, assessorando novos líderes na construção de branding, narrativa e estratégia comercial — sobretudo para captar consumidores internacionais que valorizam autenticidade e origem.

O suporte inclui a aplicação de selos de certificação como o do “Produto Artesanal Tradicional do Japão”, concedido pela Agência de Assuntos Culturais, conforme critérios da Lei das Indústrias Tradicionais de 1974. Até abril de 2022, 237 produtos haviam recebido esse selo. A certificação exige fabricação manual com técnicas e matérias-primas regionais, garantindo autenticidade e conexão com o território.

Tecnologia como Ferramenta de Preservação do Capital Intelectual

A transmissão do know-how também tem sido reimaginada com o auxílio da tecnologia. A agência Dentsu, por exemplo, treinou sistemas de IA para replicar a avaliação sensorial de qualidade de atum — tarefa antes atribuída a mestres com anos de experiência. O índice de precisão da máquina já chega a 90%. Outro exemplo é a empresa LIGHTz, que aplicou entrevistas estruturadas com artesãos de ferro fundido Nambu, usando a inteligência artificial para sistematizar critérios de produção e qualidade, garantindo que mesmo a ausência física do mestre não signifique a perda de sua técnica.

Reflexões Finais: O Futuro da Governança Patrimonial

O caso japonês revela, em essência, um desafio que transcende fronteiras. Trata-se da urgência em profissionalizar a sucessão de empresas familiares e tradicionais sob uma ótica de governança patrimonial — aquela que combina continuidade administrativa com responsabilidade histórica e cultural. Sem mecanismos estruturados de transição e sem uma governança orientada ao legado, mesmo negócios financeiramente saudáveis podem sucumbir.

Esse diagnóstico é um alerta para outros países, inclusive o Brasil, onde milhares de empresas familiares caminham para o mesmo dilema. O futuro da tradição — e da riqueza cultural e econômica associada a ela — depende menos da hereditariedade e mais da intencionalidade na sucessão e na preservação do capital simbólico e técnico das empresas.

Fontes: World Economic Forum

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